Tá lá o corpo estendido no chão

Tomei a liberdade de pegar esses versos da música do João Bosco “De frente pro crime” para ilustrar esse acontecimento que tanto me chamou atenção ao longo da minha vida. É engraçado como trabalha o nosso cérebro, tem passagens que simplesmente são esquecidas na nossa mente, ao passo que tem outras que ficam eternamente gravadas, e essa passagem que irei contar-lhes é uma que desde o primeiro momento em que presenciei nunca saiu da minha memória.

Como já deve ser do conhecimento de todos, na minha infância a minha família não tinha uma situação financeira muito boa, tornando dessa forma a vida mais dispendiosa.

Nessa época eu estudava na Escola Polivalente no Melo Viana, tinha 11 anos e cursava a quinta série, morava no bairro Caladinho que ficava distante uns 4 quilômetros da escola. Como não tinha condições de pagar passagem, todos os dias eu fazia esse trajeto a pé.

Era uma bela tarde, o sol estava tão intenso e brilhante e eu estava fazendo o percurso da escola até a minha casa. Eu tinha terminado de passar pela avenida Magalhães Pinto e começava a subir a BR 381 quando de repente avistei um corpo estendido no chão.

Que cena triste. Estava ali aquele corpo estendido no chão, inerte, abatido, os olhos arregalados e o sangue a jorrar do seu crânio escorrendo pelo chão. O corpo era de um carroceiro. Ele era magro, moreno mais escuro, fisionomia um pouco abatida, talvez pela dificuldade que a vida lhe oferecia e devia ter aproximadamente uns 30 anos.

A partir do momento que vi aquela cena, ela ficou terrivelmente gravada no meu subconsciente e as indagações não saiam da minha mente. Eu imaginava, coitado deveria estar fazendo um frete para poder quem sabe providenciar o pão nosso de cada dia para os seus filhos. Será que ele tinha esposa e filhos? Como eles vão reagir diante da notícia dessa calamidade?

Naquele dia simplesmente eu não conseguia dormir, era impossível tirar essa cena da minha cabeça. Aquela cena deve ter ficado latente em minha mente, me assolando pelo menos uma semana. Tamanha tristeza invadia o meu ser, todas as vezes que eu lembrava dessa cena, aquele sangue jorrando pelo chão.

Dizem que nada melhor do que o tempo para curar nossas feridas, já se passaram mais de quatro décadas e o tempo não foi capaz de tirar essa cena tão impactante da minha mente. Então só me resta guardá-la num cantinho e dar sequência a minha vida.

Simplesmente Gilson
Enviado por Simplesmente Gilson em 07/12/2016
Reeditado em 21/05/2017
Código do texto: T5846165
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