ESSE MENINO SOU EU

Lembrando de um menino que viveu a sua infância no bairro de capoeiras, cidade de Florianópolis. Nos idos de cinquenta e oito, num quatro de fevereiro nasce este ser em uma família humilde, casa humilde, bairro humilde para os padrões da época. Este menino tinha mais quatro irmãos, se adicionar os outros cinco que o antecederam somam-se total de dez nesta família. Como ele não os conheceu, pois os mesmos na terra poucos tempo ficaram, conta somente cinco filhos, contando com ele, é claro. O pai um humilde servidor público estadual, trabalhava como caldeireiro no hospital Nereu Ramos na Agronômica. A mãe uma humilde dona de casa que ficava na incumbência de administrar a educação da prole, pois por um bom tempo seu companheiro trabalhou em regime de internato neste hospital, era a realidade da época. Seu pai apesar de uma profissão humilde era muito inteligente, mas o destino assim quis lá trabalhasse para o sustento de sua prole. A mãe analfabeta, porém inteligente e esperta, ninguém a enganava no dinheiro. Não “mostrava” os dentes para guri pequeno, como ela mesma dizia, no entanto tinha muito amor em seu coração para com seus.

Este menino tinha sonhos, ambições. Era muito orgulhoso, era ou ainda é? Gostava de brincar, correr, fazia carreto para os vizinhos (quem não conhece a expressão “carreto”, significa ir à venda fazer compra levar o filho do vizinho na escola, em troca de uns trocados). Este dinheiro ele usava para comprar balas rococo, bolachão, refrigerante de laranjinha, crush, bidu-cola, marcas que ficaram gravadas em sua memória e se perderam no tempo. Quando entrava nas matas sentia-se um índio ausente de vestes, sentindo a brisa, o bailar das folhas provocado pelo sussurro do vento, deixava este menino extasiado viajando pelo universo, voando sem sair do chão, mas sentia realmente seu corpo planar pelo espaço. Tudo isto para ele era maravilhoso, ainda que sem muita explicação, sem um entendimento plausível.

Veio à escola, as tarefas, os deveres e a inocência de um mundo lá fora diferente de seu lar. Aflorou-se a timidez de mostrar seu conhecimento para com os outros, a voz embargada para falar e com isto este menino foi crescendo com desafios a superar e muitas dúvidas e insegurança cada vez mais latente. Vendeu banana recheada feita por sua mãe para complemento financeiro. Vendeu revista apenas um dia, pois além de sua timidez, um senhor tentou extorqui-lo, em função deste acontecido desistiu do intento. Esta situação o deixou perplexo e revoltado. Como pode um senhor dono de uma banca querer enganar um menino tímido, mas não burro. Talvez este seja um dos motivos que ele não aceita desonestidade, abuso de poder e outros adjetivos relacionado à ética, moral etc....

Este menino foi crescendo, estudando, trabalhando, sonhando. Estudou na ETFSC, atual IFSC, cursou eletrotécnica com o intuito de participar do quadro de funcionários da eletrosul/Celesc ou telesc. O destino quis ser diferente para ele e seu sonho naufragou em decepções e angustias, mas nada que o tempo não curasse esta dor. Angustiado com a realidade que então atravessava o país, engajou-se em movimentos de luta em prol de uma sociedade mais justa, igualitária a todas as camadas sociais. Junto com outros amigos em comum participou da fundação de um grupo teatral comprometidos com uma evangelização político social na comunidade de capoeiras, seu bairro natal. Este grupo chamava-se ARCA (Arte de Capoeiras), aonde muitos jovens vieram a participar e este teve uma forte penetração nos bairros de periferia nas redondezas de Capoeiras. Com esta experiência, este menino muito aprendeu do valor ético, ser solidário, compreensivo com as pessoas. Sem correr o risco de errar, toda fundamentação ético-teórica passa por estes momentos experienciais por ele vividos. Mas o tempo passa se faz necessária maturação e aprimoramento para enfrentar as surpresas que a vida nos oferece. As décadas foram chegando, alguns conceitos foram revistos, sem prejuízo aos princípios básicos de um cidadão reto inconformado com as desigualdades sociais, éticos e morais. Novos conceitos foram integrados, outros reformulados dentro de uma realidade mais abrangente, onde a sociedade nestas últimas décadas sofreu transformações meteóricas, o qual em alguns setores parece haver um retrocesso nunca antes presenciado por este ser. Este menino hoje se considera um homem viajado, pois realizou sonhos que em seu sonho de criança jamais seria alcançado diante de uma realidade o qual estava inserido. Valeu a pena todo este percurso? Com certeza que sim. Hoje sua prole contempla dois lindos e abençoados filhos Thiago e Thales, que são seus maiores tesouros juntos com sua companheira inseparável Conceição. A quem agradecer por esta dádiva, esta humilde história se não ao grande Arquiteto do Universo, este ser que ao longo dos tempos respeitando cada qual sua cultura recebeu nomes diversos, Deus, Javé, Alá, Tupã, Astro Rei, Deus Sol, Energia Cósmica, Energia da Natureza e tantos outros. São formas de o homem relacionar-se com este Ser imaterial, no entanto está em nossos corações independente de opções religiosas de cada um.

Valmir Vilmar de Sousa (Veve) 07/12/16

valmir de sousa
Enviado por valmir de sousa em 08/12/2016
Reeditado em 17/09/2017
Código do texto: T5847245
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