A desordem da Alma

Espírito, alma, ou psique como alguns intelectuais que exploram nas ciências relacionadas tratam a mente humana, tanto faz, entenda-se que estamos tratando do cérebro, uma parte nobre e complexa. A alma toma a inciativa de tomar as rédeas do comando. Pessoas ruins ou boas não são caracterizadas pelo corpo que nutre o espírito, mas sim pela alma que, em perfeita simbiose com este, escolhe um dos ramos do ípsilon para seguir, se ruim, será mais um a fazer parte do grande grupo que necessitará de cuidados especiais, dependendo da psicopatia diagnosticada.

Existem duas desordens que me preocupam, a desordem urbana e a do espírito. A primeira porque leva a degradação dos ambientes coletivos, a outra, a da alma, porque tem o papel mais nobre, o da execução ou não das ideias. A degradação urbana está em todos os pontos e lugares, no lixo espalhado pelas ruas, nos córregos entupidos de esgotos fétidos, nas macas espalhadas nos corredores do SUS, cujas moscas promiscuamente trocam de parceiros, nas calçadas que não existem, pelo visual grotesco de peças de plástico passivamente chamadas de Pet ou sacos plásticos. A alma, condicionada pelo senso comum que é “assim mesmo”, prefere chamar essa desordem de rotina urbana e, por se conhecida não incomoda mais, pelo contrário, nos dá dá uma sensação de conforto, do previsível, daquilo que não mais nos assusta ou oferece perigo; a degeneração incorpora-se na biologia da estrutura genética, e a não remoções dos entulhos inúteis cristalizam-se, tidas como obras do destino.

Resta a desconstrução, a mudança, termos que num primeiro momento soa desconfortável, alguns preferem mudar de assunto. Alguns preferem destruir o faro da percepção com medo de ser incomodado por ideias tidas como revolucionárias; afinal, a era da digitação e da plenitude vinda de uma tela de cinco polegas que reage ao toque de dedo anatomicamente esquisito comandado por uma alma, cujo cérebro ainda nem teve oportunidade de formar-se estica-se e contrai-se na busca de uma resposta à escolha do cliente. Deliciamo-nos com os impactos visuais, como o primitivo que tenta definir os objetos que enxerga no horizonte, a milhas da costa da praia, embora o turbilhão de sinapses neurais insistam em dar forma para os objetos que até então não tem nenhum sentido real.

Será que existe um outro mundo que eu não conheço, onde a bagunça urbana é apenas uma criação hipotética da imaturidade de meu espírito viciado numa crítica infundada e inútil? Ou será que até então só me preocupei em alimentar parte de um todo, entulhei-me de carboidrato, de proteína e esqueci de alimentar a minha alma com reflexões triviais ou mais complexas, de questionar as rotinas tidas como verdadeiras e que emperram o meu mundo. Façamos a seguinte pergunta, por que jogamos o esgoto cloacal nos rios de onde captamos a água que hidratará o nosso corpo e refrescará a nossa alma? Será que é pela índole do insurgente que engrossa o grande grupo que não se importa com a desordem urbana? Ou será porque ainda não chegamos na fase da formação da alma que dará um novo sentido para nós, “seres humanos”?