Um amigo em meio ao mundo

Conheci um amigo em meio ao mundo, no meio do mundo, que fez de mim seu mundo quando mudou meu mundo. Poderia ter acabado ali, quando as promessas deram lugar à esperança de que a vida iria seguir, ainda que não seguíssemos juntos. Poderia ter acabado ali, quando as memórias eram maiores que nós ou quando os encontros diários revelavam nossos "eus" mais perversos. Nos conhecemos, não nos clichês dos olhares, mas no mais profundo do que éramos e queríamos ser. Quando me encontrava, tratava logo de me perder, apenas para que pudesse recomeçar a procura, junto com o meu amigo. E assim foram as mais intensas semanas, um desvendar dramático e, também, singelo. Nosso caos nos perseguiu, tentávamos livrar-nos de nós mesmos e acabávamos por nos distanciar, por nos desconhecer, por nos perder, por nos afastar, até que um dia, já não éramos nada. Decretamos a morte daquele sentimento. Estava acabado, era certo que não nos veríamos mais. Até que a vida, tão dura, revelou noites, tão longas, em que a solidão, como uma serpente atrás de seu flautista, nos ouvia e nos seguia, até não conseguirmos nos ouvir mais. Tentei conhecer outros amigos, saí , passei o tempo mas não a vida, que ficara ali, em algum ponto, quando nos desconhecemos.

E, num dia que poderia ser como outro qualquer, finalmente, cedemos. Foi com uma tímida mensagem, num encontro breve entre acasos e esquinas, que nos reconhecemos. Aliás, reconhecemos a nós mesmos bem ali nos olhos um do outro. Era como reencontrar certo encanto ao compartilhar batalhas. De repente, os meses não haviam passado e éramos só nós, um sorvete, e um sábado à tarde. E a vida, aquela mesma que passara quando nos desencontramos, ganhava sentido. Por vezes, pergunto-me, será que éramos mais que amigos? Sabia que só saberia, quando nós dois, tão intensos, aprendêssemos a viver sozinhos. Quando nos encontrássemos, digo, encontrarmos. Quando a noite, que tanto nos amedronta, fizer de um outro amigo seu abrigo. Quando ele puder se ver através dos meus olhos e enxergar a beleza tão magnética do seu próprio olhar. Nesse dia, que pode ser um dia como outro qualquer, seremos o que quisermos, seremos verdadeiros amigos, seremos nós, um sorvete, e um sábado à tarde.