O ladrão das palavras

Rapidinho vou escrevendo para não morrer. Estou "num país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza". Só que é dezembro! Um calor terrível! O Carnaval é em fevereiro e eu fujo dos foliões. Sou flamenguista que não entende de futebol. Minha esposa não se chama Tereza.

"Minha terra tem palmeiras", mas nenhum sabiá canta sobre elas. Se cantasse algum pássaro, não o ouviríamos tamanha a poluição sonora. Também não ouvimos o coração. Somos cabeças calculistas a procura de sobreviver.

"Vou-me embora pra Pasárgada", porque aqui não sou amigo do prefeito, do governador, muito menos do presidente. Lá, quem sabe, dormirei com a família numa nova casa que escolherei mesmo não conhecendo nenhum rei.

Estou a procura de uma "casinha de varanda, um quintal e uma janela só pra ver o sol nascer" na zona rural "onde eu possa plantar meus amigos", ouvir música de qualidade, assistir a filmes interessantes num DVD e ler meus livros e muito mais. "Quero que meu amanhã seja um hoje bem melhor. Bem melhor. Com uma juventude sã e ar puro ao redor".

Quero escrever para não morrer. Deixar gravado nas pedras do caminho, pois "no meio do caminho havia uma pedra" e ainda há. Vou transformá-la em escultura. "Num só diamante", pois as pedras são preciosas.

Por enquanto, estou numa terra onde a felicidade tem que ser clandestina para não ser taxada pelo governo falido num novo imposto. Procuro "coisa mais limpa que a lama" num lugar "pra sentar e conversar e depois andar de contra ao vento. Eu preciso respirar"...

Comecei a escrever a fim de viver. Não creio em musas. Não quis fazer um poema. Nasceu essa crônica de um ladrão de palavras insatisfeito em ver a sua "Pátria mãe gentil" tão maltratada e mutilada por essa "gente estúpida, gente hipócrita". "E o povo como está? Está com a corda no pescoço, mas a vida dessa gente aposto que está um colosso!"

"Quero falar de uma coisa". Não posso gritar. Não sou tenor, não sou rapper. Sussurro com os dedos afanadores da palavra alheia. Hoje acabei por ser desonesto e surrupiar pedaços de pensamentos levados aos meus olhos e ouvidos há muito tempo.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 14/12/2016
Código do texto: T5853435
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.