O Museu das Palavras

Estava relendo um texto meu publicado na Internet. Ao final da leitura, havia um comentário deixado no site por alguém não identificado. O leitor deixou elogios ao texto que eu gostei muito, além de mencionar conhecimento sobre a minha cidade e meu bairro. Li o texto mais uma vez. É interessante ler algo escrito por você mesmo como se fosse alguém diferente de você. Em realidade, o olhar do menino de um dia não é mais o olhar de rapaz e nem é o olhar do quarentão atual assim como não será o olhar do ancião futuro se futuro houver. Esse texto foi um resgate da minha memória, um certo exercício de registrar as personagens anônimas da minha infância. Essa personagem-título era a Primpéria, uma mulher fascinante cuja voz e o nome nunca identifiquei. Provavelmente, não deve estar mais entre os vivos. A não ser nos meus textos. Talvez, quando eu também não mais viver, alguém ressuscite a Primpéria, Seo Sereno, Beija Mão, o Bêbado Tatuado, a Carroceira entre outros. Ressuscitarão até quem ainda não ficou preso nas malhas do tecido de palavras e ideias.

Pois é... Gosto demais de recordar. “Reacordar” sentimentos e sensações agradáveis e outros carentes de sedimentação, elaboração e transformação. Seria fabricar as condições de catarse através dum distanciamento e de duma aproximação simultâneos. Conectar passado presente e marcante com futuro presente desgastado e preservá-los em um presente a mim agradável. Pretensiosamente agradável, atrevidamente classificado “atemporal”, universal. Fico assim brincando de fazer Literatura. Leio dos outros ditos por outros e comentados por outros e passo a escrever dos outros, inclusive de mim mesmo, o outro eu, transformado em personagem, depois em leitor “recontador” do “causo”, recriador e crítico silencioso para não expor o autor. São as “multifunções”, a “convergência”. Num só indivíduo, muitos aspectos, atributos e algo a dar conta sem perder a conta num curto espaço de um conto ou de uma crônica. Nada mais contemporâneo e antigo.

Nesse processo de diálogo comigo disfarçado de contigo, acaba surgindo a narrativa assim mesmo. Sem personagem tradicional. Sem uma trama. Onde o clímax? O desfecho não chega se eu não encerro o assunto e não fecho o celular onde teclo. Contrário ao valorizado e caro e desejado por mim, tenho teclado na madrugada. É o momento dá solidão, do encontro dos “eus”. É a hora de dar uma higienizada nas máscaras sociais. As minhas são de plástico transparente, vidro, cristal, diamante, gelo, âmbar. Às vezes de nuvens ou fumaça. Todas muito caras de se manter. Algumas foram restauradas e todas deixam meu rosto de fora. Não consegui encontrar nenhuma perfeitamente anatômica e própria para o meu tamanho. Usei gelatina. O corpo absorveu e meus músculos ficaram mais visíveis nas expressões. Passei ao filtro solar. A água lavou e o sol secou. Meus poros ficaram dilatados. Usei bronzeador. Mais uma vez a água lavou meu rosto. O bronze original prevaleceu.

A cara estampada está nos papéis, paira nas telas dos computadores e outros aparelhos. Esconde-se e se mostra em mim e para mim, que é você e outros. Eu posso ser você. Você pode ser eu. Podemos não ser nenhum de nós. Podemos ser todo mundo. Podemos não ser ninguém se alguém quiser ou não. Alguém eu, alguém você. Escrevendo, escavamos sentimentos, emoções, revelamos a arqueologia do existir. Expomos os artefatos no intangível museu das palavras.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 18/12/2016
Código do texto: T5856407
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