_______________BESOURINHOS DE NATAL


 
 
Época de Natal era tempo de visitar o presépio de dona Lia. A vizinhança toda se preparava para a novena. A mulher de Seu Olímpio caprichava na produção. Durante o mês de dezembro, o cenário do nascimento era destaque na sala da frente da casa. Coberto com tecidos finos e imaculadamente brancos, o presépio mexia com minha imaginação infantil. Eu queria ver tudo de pertinho, se possível pôr a mão, tocar cada pecinha ali disposta, coisa que nunca me foi permitida fazer.

Dona Lia não economizava no brilho de sua arte. Mas, nada a ver com gastos ou dinheiro. Tirando as peças  da Sagrada Família, Pastores e Reis Magos, tudo era improvisado, criado por aquela mulher rústica, meio esquisitona é verdade, mas que acabou criando fama  por seus relevantes feitos natalinos que todos os anos atraíam fervorosos seguidores da fé cristã e uma legião de curiosos.

A sala cheirava a cipreste, nunca vou esquecer. Aquele perfume impregnaria para sempre minhas narinas, como símbolo olfativo do Natal. Dona Lia colhia as folhas ali mesmo no terreiro da sala onde cultivava as árvores esguias e altas. As folhagens permaneciam bem conservadas por muito tempo e, à guisa de um difusor de cheiros, iam exalando aquele odor tão peculiar que emprestava ao ambiente uma magia especial.

Dona Lia montava a gruta com pedras escuras e irregulares, que guardava durante o ano para esse fim, na casinha dos fundos. Tudo repetia o ritual: a manjedoura, as palhas da caminha onde se deitaria o Deus Menino, tão peladinho, ai que dó, apenas com um leve tecido a lhe cobrir as pequenas e gordinhas pernas. À cabeceira do Pequenino, Maria  com suas vestes virginais, José com sua palma, os pastores  com seus cajados. À volta, o boi, o burrinho, o galo, os carneirinhos a velarem a divina criança. À porta da gruta, presa ao alto, a magistral Estrela-Guia, personagem fundamental na encenação.

 A certa distância, enfileiravam-se os Reis Magos Gaspar, Baltazar e Melchior, tendo às mãos, ouro, mirra e incenso trazidos do Oriente para presentear o Menininho. A cada dia davam um passo em direção ao bercinho de palhas. Até que a caminhada dos três culminasse com a noite de 24 para 25 de dezembro. Dona Lia, sempre atenta, calculava certinho, promovendo a novena entre a vizinhança que vinha para as rezas, à hora da Ave Maria.

O presépio ia além de seus tradicionais personagens. Dona Lia plantava arroz em vasinhos para enfeitar tudo com ramagens verdejantes. Espalhava folhas de bambuzinho por toda a extensão da parede, criando um cenário bucólico. Mas era sobre a areia branca e fina que cobria o solo ao redor da gruta, que morava o meu fascínio: os besourinhos de Natal! Ah, como eram lindos! Em tons brilhantes, cambiando entre o verde, o laranja e o dourado eles me encantavam. Como é que dona Lia os conseguia? Aquele era um mistério que me intrigava.

Um dia, eu soube que os besourinhos eram próprios da época do Natal. Dona Lia os capturava e matava, fincando uma agulhinha fina e comprida em suas cabecinhas. Secos ao sol, estavam prontos como  adornos para o presépio. Acho que foi naquele dia que comecei a desprezar os presépios e a fugir deles... Até descobrir que os presépios nada mais são que reproduções de mentes que os recriam, inclusive, de mentes que matam inocentes besourinhos para alimentar a própria vaidade. E  depois que entendi isso, foi que comecei a desprezar dona Lia e a fugir dela...