TIROS DE COERÊNCIA

Viajamos para Cuba compondo uma caravana. No início seríamos cerca de 30 pessoas, mas a desvalorização do Real frente às moedas estrangeiras fez com que restássemos nós sete que, mesmo com a diferença de câmbio, resolvemos ir.

Os integrantes da nossa turma possuíam uma salutar variedade de perfis, tanto profissional quanto pessoal. Três já conheciam a ilha e desses, a Eunice e a Maria completavam a quarta vez que lá voltavam e o Prudente tinha ido a Cuba há quase trinta anos. A Cristiane, a Osmarina, a Celina e eu éramos visitantes de primeira viagem. Como profissionais, poderíamos dizer que tínhamos algum grau de proximidade em nossos campos de atuação, afinal trabalhávamos igualmente com públicos; o Prudente, bancário, gozando os primeiros momentos de aposentadoria da Caixa Econômica; A Eunice, Oficial de Justiça do estado, em plena atividade de suas funções; a Maria, Técnica de Enfermagem trabalha em um hospital; a Cristiane, arquiteta, desenvolve atividade profissional autônoma; a Osmarina e a Celina ambas Assistentes Sociais, trabalhando no HGF e eu, Oficial do Exército aposentado.

Inicialmente, saindo de Fortaleza, compusemos o grupo com apenas cinco integrantes, pois o casal, Cristiane & Prudente, estava com outros afazeres, só se juntando a nós no aeroporto do Recife, onde o casal já se encontrava. A partir daí fizemos juntos o percurso Recife - Cidade do Panamá.

Chegamos bem cansados a Cuba. Esses aviões reservam um exíguo espaço para cada um de seus passageiros “econômicos” e as esperas são sempre entediantes, mas por volta do meio dia já estávamos liberados dos tramites do aeroporto de Havana. Após um breve descanso no hotel saímos para o nosso primeiro compromisso noturno, embora ainda sem os dois enamorados. Um pequeno problema fez o casal retardar em aderir aos passeios planejados para o grupo, porém, em pouco tempo estávamos todos juntos para experimentar essa convivência maravilhosa, onde muitos ensinamentos foram trocados nos altos papos que prazerosamente fazíamos esticar por muito tempo.

A liga dessa massa de opiniões e impressões era regada por Mojitos, Bucanneros e algumas garrafas de vinhos chilenos ou argentinos. Procuramos por todo o tempo colher dos nativos em conversas, informações de como viviam, suas profissões e principalmente sobre o sentimento de liberdade que eles tinham. Essas valiosas informações eram sempre postas à mesa de conversas, as quais geraram deliciosas discussões acaloradas e análises do momento de Cuba, comparando - o como do nosso queridíssimo Brasil. A convivência entre nós deu - se de maneira harmoniosa e como não poderia deixar de ser, embora constantes brincadeiras permeassem transversalmente os papos - cabeça:

_o prudente é um petista militante com destacada atuação no PT desde a fundação do partido;

_ a Cristiane, uma Arquiteta com tendências progressistas;

_ a Maria, líder sindical do setor de saúde militante do PCdoB;

_ a Eunice é filiada ao PT e Secretaria da Casa da Amizade Brasil - Cuba e principal artífice da nossa viagem;

_ a Osmarina é militante sindicalista da área da saúde;

_a Celina, profissional da área de saúde, defensora contumaz dos direitos dos pacientes e dos trabalhadores em geral e crítica mordaz da fragilidade do vínculo empregatício dos profissionais de saúde;

_eu, curioso, autônomo, bebendo nessas fontes de conhecimentos políticos partidários, querendo conhecer com mais profundidade a realidade de Cuba, vendo com meus próprios olhos e vivenciando essa experiência para aplacar essa curiosidade que sempre me acompanhou ao longo da vida.

O povo cubano realmente é diferenciado, possui educação sólida e profunda, fruto de um sistema de educação libertadora e cidadã. As opiniões dos cubanos com quem conversamos sobre os problemas políticos e econômicos de Cuba foram cheias de bom senso e muito orgulho de pertencer a esse país que luta contra um bloqueio econômico mundial e mesmo assim, se mantém fiel aos princípios da revolução socialista cubana.

Viemos a Cuba através da Casa da Amizade Brasil-Cuba que no Ceará tem como secretaria geral a nossa Eunice, segundada pela competente Maria; duas apaixonadas pela causa cubana e visitantes contumazes da ilha caribenha. Um dos mais ricos episódios que vivenciamos em Cuba ocorreu no dia em que saímos para um passeio por Havana na companhia do Fábio, cidadão cubano que namora uma brasileira e é o presidente do ICAP (Instituto Cubano de Amizade Com os Povos). Ele nos apanhou no hotel e fomos passear pela cidade.

Homem extremamente simples, mas com um raciocínio lógico que se ressalta pelas suas respostas cheias de conteúdo político, absolutamente dentro do contexto da geopolítica mundial. Realmente recheado de sabedoria. Com ele fomos ao restaurante mais badalado de Havana a famosa “El Bodeguita Del Médio”, point obrigatório para os que querem conhecer Havana onde já passaram por lá grande número de personalidades de todo mundo, entre os quais o ex-presidente Lula e o compositor Chico Buarque de Holanda.

Da Bodeguita fomos conhecer a “Cerimônia do Canhonaço” que é uma reprodução fiel de uma tradição cubana apresentada na forma de um show que acontece há mais de dez anos, com atores em trajes típicos, linguagem e técnica colonial de época, acontecendo pontualmente às 21 horas todos os dias, em meio a uma atmosfera festiva, com bandas, danças, exposições de arte e barraquinhas de artesanato.

O evento artístico cultural das noites em Havana tem por sede a Fortaleza San Carlos de La Cabaña, equipamento militar que compunha o sistema de defesa do porto de Havana. Sua origem remonta do século XVII, quando então a vila estava rodeada por uma muralha que definia seus limites. Dessa própria Fortaleza, disparavam uma salva de tiros de canhão para anunciar aos vizinhos o momento de fechar ou abrir as portas da muralha ou a colocação da corrente que fechava a entrada do porto.

Nesse ambiente cheio de tradição e cultura, após o evento, conversávamos com o Fábio sobre variados temas, sobre o estilo cubano e, especialmente demonstrávamos ansiedade sobre assuntos que permeavam as preocupações do grupo: a consequência da extinção dos dois líderes cubanos e a sucessão deles, bem como da quebra do bloqueio americano contra Cuba. Suscitamos também que tínhamos ouvido ao menos uma declaração de um cubano contra o regime cubano e que gostaríamos de ouvir sua impressão sobre o fato.

As respostas nos soaram como verdadeiros “tiros de coerência”. O Fábio nos disse: _quanto à sucessão e à quebra dos embargos comerciais, econômicos e diplomáticos injustos e injustificados, entendemos que estamos nos preparando há 57 anos para isso e utilizamos a tecnologia de prevenção mais eficaz que é A EDUCAÇÃO do nosso povo, visando dotar os cubanos de consciência crítica, protagonizando-os. Se não foi suficiente esse esforço, infelizmente fracassamos em nossos objetivos e com essa derrota o a povo apontará os novos rumos que serão tomados. No tocante à aceitação do regime do país, outra resposta contundente:_gostaria que vocês mesmos chegassem a suas próprias conclusões, colhendo sem nenhuma restrição, informações junto ao povo cubano.

thiticobomfim
Enviado por thiticobomfim em 30/12/2016
Reeditado em 04/05/2024
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