Dia de vacinação

Era sábado.E fazia muito calor.Além disso, era dia de vacinação.Não sei se vocês se lembram do extinto Zé Gotinha.Mas era um sábado anual daqueles em que a molecada teria de visitar o Posto de Saúde, e receber duas pingadas na língua.E, criança quando teima, não adianta:

-E aí Caio, pronto pra tomar as duas gotinhas?

-Vô toma não padrinho...-disse o moleque, tranqüilamente, como se tivesse direito a essa opção.

-Mas por que cara?Vamos lá, o padrinho te leva, e depois a gente dá uma voltinha na praça Toma sorvete.Hein?O que você acha?

-Ah, num quero não padrinho...-o menino parecia decidido quanto essa questão.

Havia ali uma situação delicada.A criança de quatro anos não queria ir tomar a tal gotinha.O padrinho por sua vez, havia prometido leva-la ao posto.Aquilo era uma promessa, um cumprimento de um dos deveres que recebeu quando foi proclamado “padrinho” no dia do batizado.E ele também, apesar de ser um rapaz novo ainda, era muito persistente, para não dizer teimoso.

-Bom, você é quem sabe.Afinal, se você não tomar essas gotinhas, vai ficar feio, chato e ninguém mais vai querer brincar com você.

-Mas eu não quero não.

-Mas, e se ninguém mais brincar com você?Como é que faz?

-Tem meu dinossauro Rex.Ele brinca comigo sim -disse o menino, mostrando o brinquedo do réptil, sem uma das pernas, e sem as duas mãos.

A coisa ficava mesmo difícil.Foi então, que como num insight criativo, o padrinho resolveu ligar o computador, e pondo o garoto no colo começou a destilar sua “tese” sobre a importância das duas gotinhas:

-Ta vendo esses caros aqui, na foto, Caio?Sabe quem ele é, né?

-O Super-Homem -o moleque era fascinado em super heróis.

-Ele mesmo.Ele é forte, rápido, bonzinho.E sabe porque?Pois ele tomou as duas gotinhas quando era criança, sabia?

-Sabia -mesmo que não soubesse, o menino olhava fixado para tela do computador.Agora, parecia mais maleável.

-E esse aqui, quem é?

-O Batman, o Batman!!!

-Então, ele é forte, bonzinho, legal, e sabe porque né?

-Por que ele tomou gotinha?

-Garoto esperto, isso mesmo.E ta vendo esse daqui ó?O Coringa...pois é, ele não tomou gotinha.Por isso ele é feio, bobo, chato.Tem o cabelo verde e o olho vermelho...Além disso, ele é “do mal”.

-Hummm, ele não tomou gotinha?

-Não.Mas você, que é um super herói, vai lá tomar né, junto com o padrinho.Não dói nada.Vamos?

Então, padrinho e afilhado chegaram ao Posto.O padrinho com uma expressão feliz no rosto, e o afilhado de chapéu de palha, e faquinha de plástico na mão.

-É a nossa vez, vamos lá Caio.

-Meu nome é Zorro

-Ah é. Tinha me esquecido.Vamos , Zorro.Bota a língua pra fora.

O momento agora era de suspense.As gotas caíram na língua da criança, que na hora de engolir, teve uma pequena ânsia.Fez uma enorme careta e ameaçou botar todo trabalho de persuasão de seu padrinho água a baixo, ou melhor, gota a baixo.

-Não vomita Zorro!Não vomita!Mostra que você é forte igual ao Super-Homem.Vai garoto!Não vomita.

O menino então, faz uma força dos diabos, mas engole as gotas e, assim como nos quadrinhos, dá um enorme grito, o Grito da Vitória.O grito dos Super Heróis.

-Eu sou o Super Homem!!!

-Isso garoto.Mas, não era o Zorro?

-Eu sou os dois!

E saíram satisfeitos do Posto.Um, por ter o poder de todos os seres fantásticos que puder imaginar.O outro, por ter cumprido com sua função, com sua promessa.