Histórias da minha terra - A hecatombe - Parte III
O crime do Café Chile


Com o corpo por completo dolorido pelas bengaladas e cipoadas que recebera, Sales Vila Nova, aos trancos e barrancos consegue chegar em casa e é logo atendido pelos familiares deveras assustados por seu estado. Apesar dos lenços usados pelos seus algozes, diz que os identificara, e nutrido de ódio e revolta jura matar o coronel, único culpado por tudo que ocorrera.
Na manhã seguinte, sábado, seguiu para feira e não teve vergonha nenhuma de mostrar seus ferimentos e contar o ocorrido para todos que o perguntavam sobre o que tinha acontecido. E a todos, responsabilizava unicamente, o coronel. A cidade estava dividida: uns se compadeciam e outros achavam bem feito, pois para eles, há muito Sales havia passado da conta com suas provocações e denúncias. Foi aconselhado a fazer queixas ao governador Manoel Borba. E foi assim que partiu para a capital, sem que os amigos ou demais suspeitassem das suas reais intenções, pois ninguém o levava a sério e imaginavam que a intenção dele era procurar o chefe de polícia, os jornais, para entrevistas, e que tudo terminaria em nada, como sempre, somente ele desmoralizado, mais uma vez. Quando comunicou que viajaria no domingo, foi incumbido pelos amigos de levar cartas e presentes para os que por lá moravam. Uma das razões pelas quais entende-se que ninguém suspeitava de que ele estava viajando com outro propósito. No entanto, para a sua mãe, esposa e filhas contou a verdade, mandando-as para o lugar “Jardim”, há duas léguas da cidade, pois temia retaliações após cumprir com o seu plano.
Era 19h:40 do dia 14/01/1917. O apito do trem vindo de Alagoas, com os passageiros de Garanhuns, anuncia a chegada na estação de Cinco Pontas no Recife. O capitão Sales trata de se desfazer das encomendas que trazia sem perder mais tempo. Dirige-se ao hotel Universo na certeza de que encontraria o coronel por lá. Decepciona-se ao saber que o mesmo havia saído há pouco tempo. Percorre os cine-teatros da rua Nova ou Imperatriz na esperança de encontrá-lo. Nova decepção.

Abro um parêntese para falar um pouco do local do crime, o Café Chile, situado na Rua da Independência e que dá nome a este episódio.
Segundo os anúncios dos almanaques e revistas da época, o local destinava-se a receber a elite!
Funcionava até as 2h da manhã e, diariamente, era animada por uma orquestra. Sua copa ficava à vista de todos que podiam conferir o quê e como tudo era produzido ali. Havia também uma tabacaria com uma variedade de cigarros e charutos para agradar aos mais exigentes clientes.
Pois bem, na calçada em frente ao Café Chile, o coronel se encontrava em uma das mesinhas postas em frente à barbearia Salão Elite, aonde alegre e descontraidamente conversa com alguns amigos à mesa. Sales chega. Avista-o; tudo o que passara e estava passando reacende como um filme em sua cabeça! Enquanto ardia seu corpo dolorido pela surra que sofrera, o principal culpado estava ali, despreocupado, sorridente, saboreando um delicioso café. Segue em sua direção. Aperta pela primeira vez o gatilho a uma distância de dois ou três metros. O tiro atinge-o de raspão no rosto. Júlio Brasileiro levanta-se. Coloca uma mão à frente do rosto como a tentar se defender, enquanto a outra mão procura a arma que trazia consigo. Quase à queima roupa, Sales atira mais uma vez, acertando-lhe a boca. Ao perceber que o coronel sacara a pistola, afasta-se um pouco e dispara mais uma vez, acertando-o agora na região peitoral. O coronel não desiste e continua em sua direção. Sales se vira e efetua um último disparo, acertando-o no abdômen. O coronel se encurva e cai na calçada do hotel Lusitano. Com medo de muitos que corriam em sua direção xingando-o e clamando por linchamento, Sales entra no hotel e é preso pelos agentes ali presentes. Um deles pergunta: “Por que você matou o homem?” Ao que Sales respondeu: “Eu vim para isto. Garanta-me!” É levado a subdelegacia de Santo Amaro e depois conduzido ao Estado-Maior do Quartel do 1º Corpo de Polícia, por ser portador da patente de capitão da Guarda Nacional.

 
Próximo episódio: A Hecatombe
Publicações a respeito:
SANTOS, Mário Márcio de Almeida, Anatomia de uma tragédia: a hecatombe de Garanhuns-Recife, CEPE 1992.
CAVALCANTI, Alfredo Leite, História de Garanhuns, 2ª edição, biblioteca pernambucana de história municipal,18, Centro de Estudos de História Municipal, 1997, Recife-PE;
Jornais
A noite, Diário do Povo, Diário de Pernambuco
dentre outros.
 
Maurício Pais
Enviado por Maurício Pais em 15/01/2017
Reeditado em 19/01/2021
Código do texto: T5882672
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