A síntese do pavor precoce

O sacerdote entrara no púlpito. O silêncio criava uma atmosfera de suspense. Sobre o piso formavam-se dois grandes carreiros de bancos onde se podia ver de um lado os homens e alguns poucos casais e no outro ficavam as mulheres e as meninas, alunas de uma escola administrada por freiras ligadas a uma instituição religiosa.

De costas, uma figura toda de preto abrira os trabalhos religiosos. Mais uma vez o silêncio denunciava que entráramos no campo dos mistérios inquestionáveis. Os atrevidos arriscavam uma olhadela para o lado ou mesmo para trás para ver quem era o retardatário que acabara de chegar.

Atento, quase sem respirar, ficava imaginando o que o orador dizia. Ele falava uma língua estranha, sem a menor chance de entendimento. Ele também fazia gestos que eram imitados pela grande maioria. Pelo sim, pelo não, pensava com os meus botões: é melhor não arriscar, afinal, passar por aquele encontro, onde não se entendia nada, era o salva-conduto para estar de bem com Deus (aquele que iria decidir a nossa vida: deixar-nos viver em paz ou nos jogar no inferno).

O ritual tinha a pompa dos desenhos das folhinhas de armazém, onde anjos tocando trombetas rodeavam a figura de uma criança que atravessava uma ponte de madeira sustentada por cordas. Às vezes, a minha vontade era de fugir daquele monólogo que inspirava mais medo do que conforto. Mas ali estava eu com os olhos arregalados. Faltava pouco para estar abençoado e assim eu estaria salvo dos horrores do inferno. Então valia qualquer sacrifício.

Ah, quanta vontade de ficar olhando para as meninas do colégio das freiras. Mas quem sabe se na conversa do sacerdote, uma das orientações era a de não olhar para as meninas, sob o risco de ser excomungado e ganhar as portas do inferno? Cheguei a pensar em jogar a minha vida numa grande fogueira, mas realizaria a encantadora idéia de ter olhado as minhas meninas preferidas. Afinal, valeria a pena viver com tanto medo?

O meu corpo estava estático. A minha alma tinha medo. Mesmo assim viajava pelo grande espaço oferecido pelo grande pé direito daquela construção do início do século XX. Entre a âncora da minha carcaça e a leveza de meu espírito, tentava visualizar sob seus véus as minhas meninas preferidas: eram lindas.

Num desses encontros onde não se entendia nada do que o padre falava cheguei a questionar a minha frágil inteligência: será que eu não estava sendo pessimista? Será que a mensagem proferida era que todos nós deveríamos ser felizes? Não estaria eu perdendo a grande oportunidade da minha vida de ver as meninas que admirava?

Mas quando olhava para os rostos das pessoas o meu otimismo se diluía. Não era possível harmonizar aqueles rostos sombrios, tensos, medrosos, com bem-estar felicidade. Quanto mistério no que era dito e reprisado por aqueles rostos marmorizados pela opção mística.

Contava os dias que faltavam para chegar a mais um encontro religioso dominical. Convivia entre o pavor de ser amaldiçoado e a felicidade de ver as meninas do colégio das freiras. Convivia com o estigma de ser um pecador. O medo foi o meu grande aliado durante minha infância.

Hoje, para minha alegria, extirpei o estigma do pavor precoce. Ainda bem que consegui entender que Deus é bom e não é o carrasco articulado pelos homens que não diziam nada.