Minha musa

Teu retrato eu adoro, bem mais do que o admiro, mesmo diante da força ortodoxa desses sentimentos milenares que vararam enésimas reencarnações e que me prendem ao teu corpo e à tua alma. Eles, como se fossem meio fosso, meio baú bem fechado, cabem em ti folgadamente, sem que me sejas qualquer prisioneira destes meus caprichos, mas a dona da chave do “front” do meu destino.

És uma doce mulher dona de mim que, só no olhar, me laça e come até a sombra do meu espírito. No centro do teu círculo de poder, estou eu planando sem qualquer risco de queda. Não sei com que magia, apenas com um leve toque dos teus dedos, frenas minha força de homem. Tua voz sabe ser mansa quando me queres ter sozinha e alta quando me queres longe.

Minhas mãos trazem a moldura da tua face que tanto me ensina. Ouço o sino dobrar na igreja da esquina, e não vou até ela porque tu és a minha deusa e nosso culto fa-lo-ei ao teu lado na sombra do vale límpido que nos dá as palavras sinceras que precisamos trocar um com o outro. Não sei como agradecer-lhe os versos que me inspiras pois já são eles tantos e tantos que o poeta que me achou vazio se encheu de mim. Pasto no teu ventre quente porque sou fruto da árvore da tua alma.

Olho para teus olhos e vejo os olhos de minha mãe. O incesto mora longínquo como a inverdade que não escrevo aqui. Apenas lembro a parte salva do teu corpo e lembro a outra toda santa que perdi não faz tanto tempo. O que acho de mãe dentro de ti é o que há flórido naturalmente na tua beleza sacrossanta, tão meiga, tão singela, tão tua, mas roubada por mim em algum rompante de um capricho exaltado. Não posso morrer antes de ti: assim a morte me ferirá duas vezes quando me lembrar da tua dor.

Nossa estrada é a lousa, onde escrevemos nosso amor cheio de pedras e plumas, mas só nosso, diferente na singularidade de fortes e constantes reencontros. Tua mão risca esta lousa ensinando-me a ser teu somente. Perdão, errei lições na vida que me condenaram até. É por isso que sempre estou a retirar dos teus olhos, os olhos de minha mãe, aquela que se foi e nos deixou a saudade que vez por outra nos traz lágrimas aos olhos.

Meu amor por ti, irrompe de um desejo sagrado. Cheiro tua carne como homem e beijo tua alma como um anjo que, ainda desalado, procura nos tombos dos vôos que dá sua liberdade.

Quando eu te machucar, é no teu colo que quero aprender a me perdoar e te amar bem mais que antes. Tuas costas são os asilos que freqüento e é por isso que te peço para não me esconderes tua face, aquela que tem os olhos que sabem encontrar-me triste e me fazer feliz, porque são laços interessantes que me acham e agradam sempre.

És mais que mulher, uma esposa; mais que esposa, a mãe que descobriste ser; mais que mãe, meu anjo de guarda. Então, já que te fiz MUSA, ama-me também desavisadamente e não me escondas das palavras fortes que teu amor sabe dizer para mim. Teu silêncio quebra-me o estrado, o púlpito, o telhado e as nuvens do céu. Quando eu morrer e reencarnar, promete-me que serás minha de novo, como amiga, como mulher, como Mãe e, acima de tudo, como uma rica e única MUSA, que soube tão bem talhar o claustro deste louco tão livre que mais do que te ama, te adora.