Diário de Sonhos - #115: Menino Islamista

Sonhei que estava me sentindo mal e me levaram para um hospital. Perdi a consciência e quase morri, mas os médicos conseguiram me salvar. Estou de alta. A enfermeira vem até mim e entrega um papel dizendo a doença que eu tenho. Não sei o quê crônica. Fico triste, pois é uma doença degenerativa. O amigo Adriano está na porta do hospital e se oferece para me acompanhar até em casa. Pegamos um ônibus. Já é quase noite. Estou febril e zonzo. As coisas não parecem fazer muito sentido. Olho pela janela do ônibus e o crepúsculo de um laranja violento me faz sentir enjoos. Não reconheço a paisagem de fora. Depois de um tempo nesse estado finalmente reconheço a rua em que estamos. Passei uns dez pontos depois do que eu deveria descer. Não vejo Adriano em lugar nenhum. Desço no ponto de uma curva em S. Já é noite. A rua está deserta e sinto muito medo de ser assaltado. Estou em algum lugar da avenida Campanella, não muito longe da estação de metrô Artur Alvim. Resolvo ir andando até lá e pegar o ônibus no terminal.

Ainda estou caminhando, mas já não se de onde para onde. Na verdade não sei mais onde estou. Parece que estou numa espécie de cidade árabe muito quente e muito suja. É dia. A poeira densa da cidade é de cor amarela. Pessoas estranhas andam pra lá e pra cá em todas as direções. Estou num mercado a céu aberto. Sinto muita vontade de fazer xixi. Encontro um quartinho com um banheiro. Fecho a porta e abaixo as calças. Uma voz aguda de criança fala como se estivesse próxima ao meu ouvido: "menino islamista!". A voz vem de fora. Através do vidro quebrado da janela vejo um menino de uns treze ou quatorze anos. Seus olhos estão completamente abertos, como se estivesse forçando o movimento. Sua boca está aberta em um sorriso largo e forçado. O olhar do menino incomoda muito, e sua expressão facial dá medo. "Menino islamista!". Outra voz vindo de outro ponto do quarto. Outro menino quebra uma janela. "Menino islamista!". Um grupo de homens de barba em outra janela. "Menino islamista!". Mulheres velhas e gordas, um rabino e um papa. Todos possuem o mesmo olhar assustador do menino. Todos começam a quebrar as janelas e repetindo o mesmo mantra em coro. "Menino islamista!". Por cima das cabeças vejo um céu carregado de nuvens de cor vermelho vinho e sombras negras. Há tantas pessoas que não consigo sequer as diferenciar umas das outras. Parecem uma grande massa humana. As vozes se erguem, quase gritando, repetindo a mesma coisa ao mesmo tempo, como se fosse uma reza macabra. "MENINO ISLAMISTA!". Estou apavorado e envergonhado. Quero pelo menos levantar minhas calças, mas estou acuado num canto da sala me agarrando a mim mesmo e chorando. Já não há sala. Estou rodeado de figuras negras e altas. "MENINO ISLAMISTA! MENINO ISLAMISTA! MENINO ISLAMISTA!"

São Paulo, vinte e cinco de janeiro de dois mil e dezessete.

Renan Gonçalves Flores
Enviado por Renan Gonçalves Flores em 25/01/2017
Código do texto: T5892866
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