SEI QUE NÃO SOU, NEM SEREI TÃO JÁ

O que me impede de ser sábio? ignorância? insensatez? Individualismo?

Fossem esses três fatores os únicos a embaçar minha visão ou percepção, já estaria selada minha sorte como mahatma, porém, além dos citados, há muitos mais esqueletos do mal escondidos no baú de meu ego. Todos, igualmente, ativos e influenciadores atrozes.

Dia destes, conhecido eventual lascou-me na cara um xingamento.

- Tu és um idiota! Ao invés de se valorizar, fica anunciando pra todos seus defeitos.

Não posso afirmar que ele esteja errado. Por um lado, valorizar-se é preceito que toda ou quase toda a sociedade aceita como correto e ideal. Quanto à possibilidade de eu ser um idiota, bem . . . , talvez seja um ponto discutível, e eu não posso legislar em causa própria.

Pessoalmente, nunca acreditei ser positiva a auto-valorização. Já somos escravos de nossos egos, que por si são inflados e corrompidos, em relação à convivência igualitária ou preferência por condutas sóbrias, sadias e harmônicas; então só posso crer que valorizar esse estado desvirtuado de ser, vai dar, indubitavelmente, em porcaria, mais cedo ou mais tarde.

Quando pubescente, li, pela primeira vez, a frase atribuída a Sócrates: “Só sei que nada sei, do que depreendo que sei algo.” Após isso já vi várias versões, pouco ou muito mudadas, utilizadas nas mais diferentes situações e ocasiões, geralmente, sem identificação com o teor dito pelo autor e sem preocupação com o significado. Desconfio até, que quem cita a tal frase, usa de falsa modéstia para expor o que considera sua própria e exponencial genialidade.

Eu, por meu turno, a cada dia que passa sou obrigado, por meus sentidos e mente, ainda plenamente operantes, a me conscientizar de minhas grandes e constantes limitações sensoriais e intelectivas, além de minhas progressivas restrições físicas, conforme envelheço.

Gostaria de poder dizer que sou modesto, humilde, despretensioso, ao esclarecer que me sinto mais perdido que cego em tiroteio, mas o fato é que ainda tenho lucidez suficiente para entender que minha capacidade mental ativa, tem dificuldade até para ativar um celular. Às vezes imagino como seria a postura dos meditabundos filósofos da antiguidade, com toda aquela calma contemplativa, frente à celeridade das interações eletrônicas e motorizadas da atualidade. Isolar-se-iam? Quem sabe pudessem se tornar net-nerds, talvez?

Parafraseando, parcialmente, o grande pensador, posso afirmar que só sei que tenho um amontoado gigantesco de dúvidas, para as quais não faltam palpites e crenças, porém, fundamentos irretorquíveis, concretamente estabelecidos, simplesmente, não existem.

É claro que tenho parâmetros e referenciais para seguir adiante com minha existência.

O problema é que me apoio no que sinto, no que meu íntimo abriga em considerações, sensações, lembranças (vivas ou fugidias) e intuição. Dá pra dizer que isso é confiável? Não!

Sinto-me, totalmente, seguro? Não!

Domino, completamente, algum assunto ou atividade? Não!

Ajo, sempre, corretamente? Não!

Tenho, constantemente, atitudes exemplares? Não!

Interlocutor, com quem trocava idéias recentemente, ouvindo meus argumentos, veio com a malfadada citação: “Errar é humano”. Revidei com outro adágio, igualmente, imbecil, que preceitua: “Errar uma vez é aceitável, duas, é discutível, três ou mais é indesculpável”.

Será que existe algum vivente, neste confuso mundo, que erre pouco?

Existe, sim, quem viva errando feio, achando que está na correção mais pura.

Por essas e outras é que me contento em saber de minha pequenez. Em, ao menos, ter plena consciência de que ainda me arrasto, numa lentidão deplorável, no caminho da verdade.

Sabedoria é um termo que tem tão pouco a ver comigo, que se fosse o nome de uma repartição, eu teria dificuldade em me capacitar a ser seu mero limpa-tralha.

Quando meu filho era pequeno, numa das brincadeiras que inventei, perguntava-lhe:

- Homem pequeno é? – Anão (respondia)

- Homem enorme é? – Gigantão.

- Quem come muito? – Comilão.

- Quem sabe muito? - Sabão.

Então, já que sábio não tenho condição de ser, conformo-me em ser sabão.

Mesmo que não soubesse muito, para meu filho e outras crianças, eu era “o cara”.

Basta escolher o público (preferência pelo infantil) e farei sucesso como gênio-sabão.

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 04/02/2017
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