Sonhos Inalcançáveis

Dormir é tão bom!  Descansar o corpo, reestabelecer os níveis de energia, elaborar as experiências do dia, ampliar as associações de ideias e sentimentos na nossa mente, tudo contribui para uma vida interessante. Mas dormir em avião é tão difícil! O pouco espaço, a posição, os barulhos e movimentos ocasionais dos passageiros e tripulantes, tudo ali “descontribui” para um sono agradável.

Esses dias, peguei um voo de sete horas. Adotei uma conhecida tática para vencer as dificuldades previstas. Nem cochilei durante o dia, armazenando toda a vontade de dormir para o momento de necessidade. Cheguei ao aeroporto com meu estoque de sono cheinho! (Aliás, para que é que solicitam a presença dos passageiros no aeroporto duas, três horas antes do embarque? Suspeito que tudo está friamente calculado para afetar esse lance de dormir. Mas resulta nos piores efeitos. Nesse interminável período, o carregamento de sono do vivente se vai gastando antes da hora do “vamos ver”, digo, do “vamos fechar os olhos”.)

Aí, quando finalmente somos chamados a embarcar, já temos que ficar alertas. Conferir número do voo, portão de embarque, passaporte, cartão de embarque, número do assento, cinto de segurança, desligamento dos eletrônicos...

Tudo isso exige uma mente desperta. Aquela mesma que se preparou para ficar agradavelmente desativada durante o período da viagem. E assim, todo aquele cuidadoso processo de preparação fica como que sabotado, já de saída.

Já no início do voo, a tripulação nos atrapalha oferecendo comida, bebida, lanche... Quando param essa distração, aí sim podemos utilizar as melhores técnicas de posicionamento e de uso dos espaços e dos artefatos disponíveis.

Podemos aproveitar, por exemplo, equipamentos como revistas, músicas e filmes desinteressantes. Geralmente estão disponíveis nas aeronaves, e são úteis para nos induzir de volta ao rumo da nossa trajetória de desligamento.

Poderíamos tentar escorar a cabeça na guarda da poltrona. Mas raramente funciona: resulta em sonecas curtas, de cinco minutinhos, frequentemente interrompidas por toscas “bodeadas”.

Mas sonecas muito curtas não contam. Vejam bem: está provado cientificamente que cada período de sono dura cerca de 45 a 50 minutos. Os filmes podem ser úteis indicadores do nível de aproveitamento dos ciclos de sono: se adormecemos no início do filme, e acordamos no fim, então provavelmente dormimos um ou dois ciclos completos.

Assim, em uma viagem de oito horas, por exemplo, podemos desenvolver, na melhor das hipóteses, um aproveitamento máximo de uns dez ciclos ininterruptos de efetivo benefício. Mas eu nunca vi esse extremo ser alcançado em aviões. Não sem a ajuda de “doping”.

O mais comum é o desenvolvimento de uma soneca inteira, intensamente aproveitada, em alternância com uns segundinhos, extremamente aborrecidos, de mudança de posição. E de tentativas de recaptura do sono fujão.

Eu geralmente treino a seguinte sequência:

• escorar a cabeça na janela, dormir um sono inteiro, até bodear;

• (se houver um vizinho na poltrona ao lado:) virar para o lado do vizinho, escorar a cabeça no seu ombro, dormir todo um sono, até um de nós se mexer, assustado;

• abandonar o vizinho, escorar a cabeça no espaldar da poltrona da frente, dormir um soninho, até sentir a cabeça escorregar para o lado;

• (se não houver um vizinho na poltrona ao lado:) juntar os joelhos sobre a poltrona vazia, escorar as costas na parede, escorar a cabeça no encosto da poltrona, dormir;

• (se a poltrona ao lado ainda estiver vazia:) escorar os pés no assento da poltrona, os joelhos no encosto, as costas na parede, e a cabeça na nossa poltrona, dormir até que os joelhos, traidores, se desequilibrem;

• Retornar à posição “comportada” e reiniciar o treino, caso essa bendita viagem ainda não tenha terminado.

Quando o avião pousa, o corpo já entrou num paradoxo entre relaxado e contraído. Tudo que ele quer é se alongar imediatamente. Sentimos aquele alívio ao nos libertarmos da opressiva poltrona e ficarmos em pé. Quem tem mais de um metro de pernas sabe! Chegando em casa, conseguimos então saborear como é bom dormir - na nossa cama!