PAPO COM A SAUDADE

Ultimamente ando meio sorumbático, fazendo análises de situações, e nesta elucubração observei que os longos papos que tive com os sentimentos aconteceram sempre no mesmo lugar, como se fosse um confissionário. Falo do meu velho quarto de pensão com suas paredes nostálgicas cuja pintura é pra lá de antiga, ostentando em suas superfícies dezenas de orifícios que denunciam as coisas nelas já penduradas. Quantas quinquilharias imagino eu. Pra não fugir a regra também tenho minhas coisas penduradas, é calendário, foto do casamento da filha, porta retrato a espera de um retrato, distintivo do Timão, etc., essas “cositas” que sei é breguice mas... tenho que seguir a saga dos pensionistas que moram sozinhos. Neste quarto já conversei com a Solidão e a senhora Felicidade, ali sentado no beiral da cama ou em pé olhando, pela janela, o movimento da rua, e posso dizer que aprendi muitas coisas. Ontem lá estava eu curtindo o isolamento de sempre, televisão ligada, mas era como se não tivesse porque não estava prestando a mínima atenção, foi quando ela mansa e sorrateiramente se aproximou, ar contrito, porém serena. Estou falando da Saudade. Sentou-se silenciosamente ao meu lado, e abraçou-me. Neste instante senti um aperto em meu coração, um calafrio percorrendo meu corpo, as lembranças jorraram em minha mente, e como se fosse um filme as imagens ganhavam contornos nítidos, visualizei então as pessoas que sempre amei. Eis o motivo do aperto no meu coração: Saudades! Saudades daqueles que se foram deste plano, saudades de quem aqui está, mas separado por distância imposta pela vida, saudades de quem amamos, mas não temos a constância, saudades de um amor, saudades de momentos que jamais retornarão. Estes “flashes” em minha mente refinaram ainda mais as sensações e lágrimas caíram. Foi quando ela se manifestou:

___ “Não chore velho amigo, eu só posso estar com quem possui uma história de vida guardada no íntimo, histórias boas e felizes, porque ninguém sente a minha essência por coisas ruins. Portanto aquele que nada construiu, nada deixou como lastro de vida, realmente nunca sentirá minha presença. Daqueles que se foram desse plano sinta a minha essência como doce recordação, aos que aqui ainda vivem tenha a esperança de novos dias repletos de emoção. A saudade de um amor deve ser cultivada com carinho, pois infeliz é aquele que nunca amou. Espero que essa lágrima de hoje seja a lágrima de amanhã ao lado da minha amiga Felicidade”.

E assim como chegou, ela se foi. A saudade foi abrandando em meu peito, deitei e dormi serenamente. Amanhã será um novo e lindo dia a espera de nossas mais perfeitas realizações.

31/07/07

ANDRADE JORGE

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