SEMENTE CENTENÁRIA 9ª PARTE

MEU PRIMEIRO DIA NA ESCOLA


O tempo passa tudo se transforma, envelhecemos, e ficam as lembranças arquivadas nas gavetas da mente. Guardamos junto os sonhos, as fantasias, e até mesmo uma saudade imensa que chega de mansinho, sem ser convidada e entra como penetra bisbilhotando o baú das nossas recordações.
Eu nasci no alto de uma colina de terra braca, entre dois córregos, de água pura e cristalina, protegidos pela diversidade um de arvoredo cobrindo suas margens. Numa casinha, amarra de cipó e barreado de chão batido, cheirando a reboco de estrume de vaca misturado a terra de formigueiro.
“Naquele casebre humilde, cercado pelo afetuoso carinho de meus pais, Deus esteve sempre presente através de suas orações, e de um harmonioso convívio conjugal”. Meu espelho de vida.
Os primeiros acordes musicais que chegaram aos meus ouvidos foram orquestrados pela natureza. O conjunto do cântico dos passarinhos, o leve toque da brisa roçando nas verdejantes matas, e a sinfonia do carro de boi entoando seu canto dolente.
Inebriado pelo perfume das flores, que a brisa carregava do campo, comecei a dar meus primeiros passos monitorados por minha saudosa mãe. Ali naquele santuário ecológico onde tudo era mágico. A simplicidade campestre dominava o meio ambiente. Foi assim meu mundo criança. Meu paraíso encantado, que eu não trocaria por nada.
Mas como o tempo passa, e tudo se transforma. Então chegou o momento de eu deixar meu universo encantado. Preces há completar oito anos, teria que frequentar a escola.
Para um bichinho do mato que corria livre entre os arbustos verdejantes, aspirando o perfume das flores, e admirando o malabarismo dos lambaris, nas belas fontes de águas cristalinas, disputando cada frutinha que caia das arvores, atiradas sobre eles pelo vento, não foi nada fácil. Mas nós, precisávamos morar perto da escola.
Irradiante com a nossa mudança, meu avô Guilhermino, me recebeu com um largo sorriso, e as mãos cheias de frutas, colhidas no seu pomar, levou-me até a bica d’água que despencava para o monjolo, e me ensinou a cascar a mexerica dentro d’água, evitando que o enredeiro sumo mal cheiroso, ficasse impregnado nas mãos.
Aquele carinho de avô amenizou um pouco o trauma que me entristecia com a nossa mudança. Mas pela fragilidade de um coraçãozinho selvagem, aceitar aquela situação foi como se um pedaço de mim, ou seja, meu cordão umbilical estivesse aprisionado àquele universo mágico onde eu nasci. Um mundo infantil que eu julgava ser, o seu dono absoluto.
Sem a mínima noção do que era a escola, qual não foi minha surpresa. No dia seguinte, ao entrar pela primeira vez numa sala de aula, e deparar-me com aquela senhora, de voz pausada, mansa, e material. Imaginei estar diante do anjo, que mamãe colocou em meu imaginário afirmando serem meu protetor dia e noite em todos os lugares.
Dona Maria Guerra, já quase se aposentando, no final de sua carreira, depois de uma longa jornada iniciada em março de 1917, quando meus pais nem eram nascidos, mas que também foram seus alunos naquela mesma escola, construída por meu avô.
O tempo havia passado, e dona Maria continuava com a mesma dedicação o mesmo amor e carinho que tivera com as gerações que antecederam a mim, aos meus próprios pais tios e demais habitantes do Engenho. Iniciava o ano de 1950, seu último ano lecionando na rede publica, e meu primeiro ano na escola, aos oito anos incompletos.
Atualmente descendo os últimos degraus na vertente de minha existência, sinto-me honrado em ter cursado meu primeiro ano primário com ela, que foi mãe e mestra. Tornou-se célebre e está imortalizado nos corações de todos os descendentes da geração educada por ela Seu legado valeu, não só por toda minha vida, mas por todos os filhos de nossa abençoada terra, creio eu!

















 
Geraldinho do Engenho
Enviado por Geraldinho do Engenho em 13/02/2017
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