Fundo novo de lata velha

Mais um ano sem chover; mais uma seca assolava o Nordeste. O 19 de março, dia de São José, já ia longe e nenhuma gota d’água tinha caído no agreste.

Na pequena cidade do interior, enquanto os homens saíam em busca de trabalho e de alimentos, as mulheres passaram a ter a tarefa adicional de buscar água no Rio Das Mortes onde ainda corria um filete do precioso e indispensável líquido. Dali coletava-se uma água esverdeada e salobre utilizada para beber, cozinhar, lavar e assear os moradores das redondezas.

Trazendo as pesadas latas em cangas apoiadas nos ombros, as pobres senhoras paravam por diversas vezes durante o caminho para descansar; aqueles recipientes em contato com o solo e com a maresia vinda do longínquo oceano, enferrujavam com muita facilidade.

Pedro Corisco, artesão inteligente, deu tratos à bola e passou a fabricar uns invólucros de madeira para proteger as vasilhas dos impactos e da ação da natureza. Às latas, que já carregavam pau na boca, Pedro Corisco acrescentava madeira no fundo. O invento fez verdadeiro sucesso; quase todo mundo na cidade passou a comprar as proteções fabricadas por seu Pedro.

Certo dia, Jerusa, mulher bonita e voluptuosa, ao ver as latas protegidas de sua comadre Joana, assuntou e, com a informação, dirigiu-se à casa de Pedro Corisco para apreçar o serviço; lá chegando, entrou faceiramente na oficina do artesão, onde deu-se o diálogo:

- Seu Pedro, vi umas latas com proteção de madeira na casa de comadre Joaninha. Por sinal um serviço muito bem feito... De primeira... Ela me disse que foi o senhor quem fez...

- Foi minha filha; já botei fundo de madeira em mais de oitocentas latas. Com aquela proteção, elas duram muito mais tempo... Já vêi gente até de Juazeiro encomendar meu serviço... - Respondeu o artesão, sem deixar de apreciar o belo colo, as curvas bem feitas, o recôncavo baiano entre as coxas e a bunda arredondada da cliente em potencial.

- Pois é seu Pedro... Eu quero fazer o mesmo serviço em seis latas que tenho lá em casa... Quanto custa?

- Custa seiscentos cruzeiros cada... Sendo seis, eu faço por três contos...

- Mas seu Pedro, tá muito caro... Num dá pra fazer um menos?

- Dá não, minha filha.... Num sabe como é...? Eu pago muito caro pela matéria prima... Inda tem mais: eu ando mais de légua e meia, todos os dias, carregando pau nas costas...

- Ah, seu Pedro... Me diga uma coisa...: e se eu der o fundo?

- Aí, minha filha, aí eu faço de graça e ‘inda carrego água pra encher seus potes todo santo dia!!!

e-mail: zepinheiro1@ibest.com.br

Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 03/08/2007
Código do texto: T591258