MAIOR ABANDONADO

Particularmente eu adoro a madrugada. Pois é na calada da noite, quando os chefes de família, as donas de casa, os operários, os motores, as buzinas e as fábricas descansam que tudo acontece. Assim, enquanto uma cidade inteira dorme uma outra acorda, mais silenciosa e atraente.

Noite dessas, vagando pela madrugada sem sono e sem muito dinheiro, saí à procura de algum boteco para tomar qualquer coisa.

A noite é misteriosa. Em becos escuros o mercado das drogas: maconha, cocaína, crack e qualquer droga ilícita.

Em esquinas claras o mercado do sexo: ninfetas, travestis e todas outras espécies indefinidas que figuram entre o sexo masculino e feminino.

Atrás de um volante eu. Apenas procurando algo pra beber.

Rodei por alguns minutos até encontrar um lugar aberto. Do lado de fora um letreiro luminoso com algumas letras queimadas escrevia: LA T RNA DOS AF GADOS, logo deduzi que se tratava de LANTENA DOS AFOGADOS (como em “Mar Morto” de Jorge amado), identifiquei-me com o nome.

Entrei. Havia alguns boêmios espalhados pelo comprido e estreito bar. No rádio tocava uma música do Raul Seixas e apesar de haver várias mesas vazias sentei-me junto ao balcão e pedi uma cerveja. Tudo naquele estabelecimento era no mínimo curioso, as cadeiras, o cheiro, as luzes e os enfeites toscos e antiquados pareciam vir de uma outra época, porém duas coisas realmente me chamaram a atenção.

Uma delas era uma meiga menina de olhos claros, (Lívia? Perguntei-me e sorri sozinho com meu pensamento fantasioso) era simplesmente linda e feminina. O mais surpreendente, é que apesar de aparentar uma fragilidade dócil, possuía uma força muito grande em seus olhos.

A outra, era um homenzarrão totalmente oposto à menina. Deveria ter uns dois metros de altura, era muito forte e apesar do seu tamanho ele parecia infinitamente mais frágil que a linda garota. Com um rosto muito triste e a barba por fazer ele bebia conhaque como se fosse água e ouvia o rádio, chorando a cada refrão.

Não demorou muito e a linda menina foi embora, quando passou por mim senti o seu perfume e a observei até sair por completo do botequim. Que menina! Passei então a dedicar minha atenção apenas ao grandalhão chorão. Como disse, ele chorava, mas não era um choro contido. Certamente deveria ou estar sofrendo de algum enfermo grave, ou devendo até a alma para agiotas, ou ter perdido um ente muito querido porque no rádio agora tocava uma balada romântica e o gigante soluçava de tanto chorar.

Acabei minha cerveja e ao pagar a conta, não me contendo de curiosidade perguntei ao homem que me devolveu uns trocados:

– Ei amigo, você sabe o porquê de tanto desgosto daquele brutamonte ali? – perguntei indicando discretamente com a cabeça.

– Sei sim – respondeu o homem com um olhar de pena. – Ele está sofrendo muito.

– E o que é que ele tem? Alguma doença grave?

– Pois é – respondeu com quase um sussurro. – Ele está sofrendo de uma doença que se não o atingiu ainda vai atingi-lo. Cornidão!

Foi assim, ali, naquela espelunca que me dei conta de como uma mulher, apesar de toda sua aparente fragilidade, pode derrubar um homem por maior e mais forte que este possa ser.

E me dei conta de muitas outras coisas.

Que um homem abandonado e sofrendo dessa doença, que é a perda de um amor, fica sentimental e chora. Chora ao som de “Boate Azul” e de qualquer outra música feita por traídos com ele; chora ao sentir o perfume que a amada usava, e que doce demais lhe dava alergia; chora ao ver o filme que juntos assistiram, apesar de não ter gostado do final; chora ao assistir “Tom e Jerry”, “como é mal aquele ratinho”; resmunga entre soluços. Chora, chora...

No entanto, não podemos generalizar, existe uma série de sintomas que podem variar de corno a corno, de abandonado a abandonado. Eis alguns:

Existem os que simplesmente regressam no tempo, voltam a ser criança. Resmungam sem parar, fazem birra para comer e se possível, querem dormir no quarto da mamãe com medo da solidão noturna. Ir ao trabalho e fazer a barba? Nem pensar, afinal, criança não trabalha e muito menos tem barba.

Existem aqueles que são durões, são machos. O machão enche a cara no bar, o peito de ar e com a sua espingarda vai à casa do “canalha” que molestou sua santa mulher, tirar satisfações. Este não leva em conta que é mais fácil matar sua esposa, do que um por dia. O escândalo nunca dá em nada e se alguém sai ferido é o próprio corno que bêbado, cai ou se fere sozinho com a arma, se transformando em alvo de piadas e chacotas posteriormente.

Existe também o nostálgico, não é de violência. Ele simplesmente lamenta o amor perdido para os amigos e quem quiser ouvir. Relembra cada momento e sonha em um dia, reconciliar com sua ex que lhe abandonou. Geralmente os seres que desenvolvem esse sintoma, acabam escrevendo uma música romântica e colocando como título o nome da ingrata.

E só para finalizar, existe o escandaloso que grita, esperneia, diz que vai se matar. Humilha-se. Vai ao serviço dela, na faculdade, no prédio e em todos os lugares, por ela freqüentado. Ameaça todos os homens que tentam se aproximar da menina, que ele jura que ainda é dele. É visto como otário por todas outras garotas e acaba em algum psicólogo fazendo terapia.

Enfim, o que me resta é confessar que é inestimável o poder que uma mulher tem. Ressalto então, que foi naquela noite, assistindo aquele homem gigante aos prantos e àquela menina tão meiga e tão confiante em si, que me ficou claro que uma mulher com toda sua delicadeza, curvas e gestos sutis, que lhe são ofertados, pode levar a desgraça qualquer homem independente de seu tamanho. Isso porque elas têm o que nós queremos e o pior é que elas sabem disso. Deixo aqui então, o meu conselho para todos os cornos, abandonados, largados ou de qualquer outro gênero parecido (digo por experiência própria), não há nada, absolutamente nada que um pouco tempo, um novo rabo de saia e muita cachaça não de jeito.

Melhoras.