TIO FÁBIO E EU

Querido tio e padrinho, FÁBIO SILVA CONCEIÇÃO. Estás com 92 para 93 anos, ainda consegues cavalgar nos teus campos, gerir teus negócios, filhos e netos e, para espanto de alguns, produzes versos lindos no FACEBOOK, que aprendeste a dominar. Isto não é pra qualquer vivente. Eu, com 70 anos, ainda que nada sinta no quesito saúde, sou resultado de um tempo, de hábitos e usos, que judiaram do corpo. Não é só por ser um bom bebente e um fumante supimpa que faço tais afirmações. Minha alimentação, aliás, moderada, tem, no entanto, o sabor dos industrializados, dos conservantes, dos defensivos agrícolas e de todos os outros venenos da modernidade. Sou da geração Coca-Cola. Portanto, aí já surgem importantes elementos para uma boa avaliação da longevidade, numa comparação que me é notoriamente desfavorável. Por outro lado, sou do meio urbano, teu habitat é campeiro, rural, ao ar livre, muita diferença. Além do mais, como não dá para esgotar a pauta, existe sempre o imponderável e o destino matusalênico te foi benéfico, graças a Deus. Eu prossigo na loteria. Todavia, há uma coisa que a gente tem de ponderar. Enfrentas menos problemas por viver no interior, especialmente no campo. A gente aqui da Capital sente mais diretamente, acredito, a brutal transformação das coisas, dos valores, das ideias, das artes, do convívio humano, das regras e comportamentos coletivos. Atravessaste um tempo em que as modificações eram um pouco mais lentas, menos abruptas. Se eu chegar aos 75 ou 80 anos, creio que enfrentarei um mundo bem mais difícil de conviver do que aquele que tiveste de arrostar até hoje. Um homem de 80, daqui a dez anos, vai fazer o quê? Não sei se estou preparado para a metamorfose que se vislumbra no horizonte. Tu estarás com 102 anos, portanto, sem maiores preocupações, mas, sinceramente, te confesso que meus hipotéticos oitenta anos não me deixam muito animado. E olha que sempre fui um otimista. Pode ser mesmo que eu me adapte, mas, com 102 anos, definitivamente, pra mim não vai dar pé.