CINE CRUZEIRO

Década de cinqüenta.

Jamais esquecerei aquela manhã defronte ao Cine Cruzeiro, na cidade de Ibaiti. Olhava atentamente a programação da matinê daquele dia. Iria passar um excelente bangue-bangue. Distraído, não atentei para a presença da menina mais bonita da cidade. De repente, ela tocou-me o braço e, sorrindo, ofereceu-me uma bala. Estava de vestido branco e um sapatinho colegial também branco. Tinha acabado de sair da missa. Se o anjo tem forma, obrigatoriamente deveria ter aquele corpo, aquele rosto sereno, aquela pele rosada e aquele cheiro de inocência juvenil.

Para fugir do aspecto ridículo, consegui fechar a boca, que teimava em ficar aberta. Enrubescido e com a mão levemente trêmula, apanhei o doce. Ainda surpreso, ela conseguiu me nocautear de vez. Perguntou-me se eu queria acompanhá-la no filme da sessão da tarde. Mesmo sujeito a passar por um tolo, tive impulso de olhar para trás para ver se a pergunta estava sendo feita pra mim mesmo. Quase berrei: “Meu Deus, ela quer ir ao cinema comigo!”

Internamente, gargalhei de alegria. Será assim que se sente uma pessoa ao receber a notícia de que é ganhadora de um prêmio milionário? Sim! Deve ser!

Num átimo, pensei sobre a roupa que iria vestir. “Puxa, não posso acompanhar a Marilene vestido com esta calça curta. Afinal, já estou com quase catorze anos. “Será que mamãe passou aquela roupa da minha primeira comunhão? Que bom! Aquele terninho azul tem calça comprida.”

Erguendo ambas as sobrancelhas, ela sinalizava que aguardava minha resposta. Tropeçando nas palavras, maljeitosamente, respondi:

— Não ... sim!... sim! Puxa não esperava que você me convidasse. E o Robertinho?

— Que tem ele?

— Você não namora com ele?

— Quem te falou?

— Ah! Pensei!

— Não seja bobo... Ah! Gostei de te ouvir cantando Granada, lá no clube, na semana passada.

— Gostou é? — Com o elogio, mesmo mais vermelho que um tomate maduro, me senti o próprio Mário Lanza, de quem eu era fã na execução dessa música.

— Te espero às três. Tá bom pra você? — questiona-me, sorrindo.

— Claro! Claro!

Mais do que depressa, subi na minha bicicleta preta, pneu balão, voando, dirigi-me para casa exultante. No trajeto, minha cabeça sintonizava um festival de músicas executadas por algum coral celestial. As cores do arco-íris desfilavam exuberantes em tudo que eu focava. Dizia para mim: “Lindo dia!... Lindo?... Não! Lindíssimo!”

Esbaforido, abri a porta da cozinha e, radiante, já fui perguntando à minha mãe:

— Mãe, adivinhe quem me convidou para a matinê de hoje?

— Quem, meu filho?

— A Marilene!

— A irmã da fulana de tal?

— Isto, mãe! Por favor, a senhora pode passar meu terninho azul?

(...)

Nasci em 1941. O relato acima é verídico. Eu tinha quase catorze anos e andava de calças curtas, tremia e ficava vermelho na frente de uma garota.

Hoje, meu neto Luan, de apenas 10 anos já me fala em cabos USB.

Luiz Celso de Matos
Enviado por Luiz Celso de Matos em 04/08/2007
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