PAIXÃO ANTIGA

Vou ao teu encontro por não conseguir pensar mais em outra coisa. A ânsia de ter-te e saciar-me de ti me cortavam o estômago e meu pulso acelerava mais a cada passo que dava em tua direção. Encontro-te e explodo em euforia e prazer. Só de olhar-te meus olhos se enchem e meu corpo inclina-se me levando à consumação dessa vontade. Em um instante, já não consigo mais pensar em nada e apenas ajo impulsionado por tamanha reverberação de anseios, multiplicados por essa inquietude que é já estar tão próximo. Sinto teu aroma, apanho-te em minhas mãos, meio hesitante, encaro-te e subitamente sobe pela minha espinha a gélida e fantasmagórica névoa que me queima de dentro pra fora. Abocanho-te! Sinto o agridoce sabor que por um longo tempo se resumiu a ecos em minha mente. Sacio-me de ti. Entupo-me de tuas variedades carnais. Elevo minha mente aos mais extremos níveis de êxtase.

Logo então percebo que as coisas não estão mais como antes. Teria você mudado? Ou apenas minha, já farta, visão? De repente ao ver-te, enojo-me. Dou-me conta de que meu apreço em demasia fora prejudicial. Questiono-me sobre momentos passados, que talvez fosse sábio ter parado há mais tempo. Teu aroma já não me tem o mesmo nível de agrado. Ao ver-te, desvio instantaneamente meu olhar. Após perder-me em meio a devaneios numerosos, repentinamente não vejo mais o sentido de estar a tua presença. Sei que carregarei comigo este farto peso, mas dada as circunstâncias, não me restam alternativas. Parto, e levo comigo mais do que lembranças. Você está comigo, dentro de mim. Apenas não consigo mais carregar seus caprichos. Tudo isso já não me desce mais. Caminho, com dificuldade, mas convicto, rumo ao adeus.

Já me encontro sozinho em meus aposentos. Os dias passam e minha mente se distorce. A realidade seleciona seus eventos numa tendenciosa coletânea de momentos frutíferos. Por um breve instante me recuso a ceder às seletas memórias gratificantes, dizendo a mim mesmo que a má sensação voltaria. Mas já não sinto mais aquele peso. Em seu lugar, está um indeterminável vazio, que, numa canção de som crescente, ascende conforme o bem que você me fazia vai sendo lembrado. O ciclo volta a seu início. O pensamento solitário em minha cabeça retorna mais forte que nunca: de partir ao teu encontro e mergulhar nos teus prazeres. Devia eu temer o peso resultante da minha satisfação? Aqui estamos nós de novo revivendo cada instante e nos conformando com seu fim, que já sabemos desencadear num novo recomeço. Sei que sou eu o quem pode te carregar até nas mais inusitadas horas. E dizer que não sou a pessoa certa seria o rangente som da voz da leviandade.

E assim descrevo minha relação com o rodízio de pizza.

Thadeu de Melo
Enviado por Thadeu de Melo em 06/03/2017
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