Cela surda

Estava quase a ponto de desistir de escrever. Quando de repente me veio a ideia de que vivemos numa penitenciária quando estamos livres com os outros. Quando nos encontramos sozinhos, fomos para o isolamento. Para a cela surda. Nem sei se essa terminologia já existe mais. Ou nunca existiu.

Às vezes nós mesmos nos recolhemos à cela surda para não nos vermos presos como os outros, livres pela rua.

E aí bateu aquele sentimento de estar a ponto de transbordar-me pelas palavras, que iriam saindo comigo de dentro de mim. Mas com tudo já esquematizado, nada sendo produzido de novo. Experiência que todos já teriam sentido. Palavras que todos já teriam dito. Qual a novidade? Mas também, pra quê novidade?

Não bancaria mais o babaca de me dirigir a todo mundo com palavras elogiosas, afagos, aplausos (mesmo que não merecidos) só pra que a recíproca fosse verdadeira ou para que me tratassem da mesma maneira. Aquela necessidade de estar bem com todo mundo, achando que todo mundo assim estaria bem com você. E, no entanto, qual a necessidade de um babaca achar que os outros são babacas? Na verdade, tudo não passa de um clichê social. A que todos, de uma forma ou de outra, estamos submetidos. A prisão social em que aparentemente nos encontramos livres. Justificando-se, portanto, a utilização eventual da cela surda.

Vamos constituir um grupo de estudos de qualquer coisa. A questão da inviolabilidade moral sob o ponto de vista neurocientífico, por exemplo. Mas apenas em termos técnicos. Nenhuma concessão à abordagem psicológica ou psicanalítica. Estaríamos presos a um conjunto de livros e importantes nomes da neurociência e por um bom tempo teríamos com que nos distra-rir.

Ou então, poderíamos partir para a plataforma do egocentrismo e tentarmos, num outro grupo, focalizar a personalidade de cada um isoladamente, partindo de seus próprios depoimentos que teriam que ser verdadeiros e sem a preocupação de serem chocantes ou agressivos aos diferentes interlocutores. E acabaríamos presos a uma espécie de “jogo da verdade”. Tendo como provável resultado final uma cela surda para cada um.

Tudo isso para que a gente concluísse o que pode ser que já tenham concluído – que vivemos numa penitenciária livre, quando coletivamente, ou no isolamento, quando optamos pela própria reclusão, de que pode ser a solidão uma das formas.

Pronto, consegui escrever alguma coisa. Porque já conclui há muito tempo que assim como um cadeirante está preso a uma cadeira de rodas por não poder andar, estou preso ao teclado por não poder parar de escrever.

Rio, 09/03/2017

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 09/03/2017
Reeditado em 09/03/2017
Código do texto: T5935284
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