TAMBÉM SOU UMA NUVEM PASSAGEIRA QUE COM O VENTO SE VAI

O tempo corre, a vida passa. Novos hábitos vão surgindo e os velhos são repaginados. É assim! Não tem jeito. O que muitas vezes nos acompanha até a morte é a saudade. Quem na vida nunca rememorou semblantes, trejeitos, coisas, lugares, chegadas, partidas, feridas ou boas coisas vividas? O presente a gente enxerga com os olhos bem abertos; o passado fica mais nítido quando a gente suspira de olhos fechados.

Um dia desses a saudade me conduziu ao velho Bairro do Observatório. Com o olhar contemplativo vislumbrei a oportunidade de mostrar aos meus filhos um pedaço do mundo de minha infância. Queria presenteá-los mostrando um panorama incrível. Por um instante, pensei ingenuamente que enxergaria em seus olhos o mesmo deslumbramento que outrora pairou sobre mim. Quanta ilusão! A cidade cresceu vertiginosamente nas duas últimas décadas e as modernas e imponentes construções fincaram suas raízes de concreto em cada centímetro de chão, devorando quintais e mata nativa. Muita gente foi chegando, muita gente partiu. Claro que depois de tantos anos nada mais poderia estar daquela forma que ficou marcada em minha lembrança. Muros e casas ofuscaram a grandeza e a beleza rudimentar do nosso despenhadeiro.

O que ainda estava igual era o velho prédio do observatório meteorológico. Para este, o tempo parou. O mesmo aspecto, as mesmas nuances; a mesma face do descaso. Nos anos 70, porém, havia ainda um pouco de esmero. No lado externo, ali pelos fundos, um anemômetro girava freneticamente revelando a velocidade dos ventos. Ao lado, uma biruta, cuja imagem eu associava a um gigante coador de café, esticava-se apontando o sentido de deslocamento do vento. O vento, aliás, era tão intrépido e traquino quanto as mãos das crianças que com ele brincavam. A gente ficava no topo do precipício, sem medo algum; observava a biruta e atirava penhasco abaixo, sem o menor receio, os casaquinhos de flanela. Num instante o vento os trazia de volta, coloca-os em nossas mãos.

Num certo trecho, havia um corredor, uma escada natural de pedra bruta. A gente escalava o morro e ia de encontro a um amontoado de rochas. Naquelas pedras rolavam piqueniques, namoros, cantorias, vadiagem... coisas que atraiam a juventude da época. E todo mundo que por ali passava deixava uma marca. As pedras eram cheias de inscrições. Tantos desenhos, tantos nomes de pessoas, declarações de amor, pensamentos... enfim! Retratos de um mundo que já se foi.

Nas idas e vindas pelo ainda singelo Bairro do observatório fazíamos algumas longas paradas para colocar os assuntos em dia. Todo mundo se conhecia. Por ali, predominavam casebres esparsos e nas ruas sem calçamento crianças corriam despreocupadas; brincavam na maior algazarra. Por onde a gente passava um rádio ou uma radiola propagava uma música gravada em 1976 que ficou nas paradas de sucesso por mais de dois anos. A letra, impregnada de figuras de linguagem, é uma das mais belas poesias que já ouvi e tematiza justamente o estado transitório da vida e das coisas: “ Eu sou nuvem passageira/ que com o vento se vai... Não adianta escrever meu nome numa pedra/ Pois esta pedra em pó vai se transformar/ Você não vê que a vida corre contra o tempo/ Sou um castelo de areia na beira do mar”.

É assim mesmo! Tudo na vida é passageiro. As coisas vão se modificando e a gente começa a se sentir estranho no próprio ninho. O mundo já não é mais o mesmo. O jeito é resgatá-lo na memória.