DECLARAÇÃO À MULHER AMADA

Não vi de tudo nesta vida, e sei que mesmo vivendo mais algumas centenas de anos, ainda não terei abrangido mais do que pequena parcela do muito que há para conhecer.

Todavia, creio ter presenciado bem mais que a média da humanidade, apenas por ter visitado muitos cantos deste nosso mundinho e ter tido contato com as mais variadas culturas, conhecendo aspectos tão diferenciados da vivência humana, que se tornam inacreditáveis, na boca de quem tenta exprimi-los, contando uma aventura qualquer.

Como escritor, optei por transportar experiências e observações para meus textos, ao invés de comentá-las, como usualmente se faz. Em parte, porque não sou muito sociável, mas também, porque me empolgo demais ao abrir a boca, e acabo comprometendo a narrativa. Sei que a maioria dos escritores faz algo parecido, e alguns são reclusos, tímidos, como eu.

Devo salientar que não sou famoso e ainda não consigo sobreviver de minha produção literária, por isso mesmo sempre tive de executar outros tipos de trabalho, desvinculados de meu foco, que sempre esteve na escrita e outros tipos de arte.

Há pouco mais de uma década e meia, cheguei a uma região deste país para trabalhar num projeto específico, que nada tinha de muito expressivo, e duraria poucos meses, mas ao longo de sua execução, conheci, de modo fortuito, inusitado, uma pessoa singular, cuja força interior parecia transbordar do olhar, gestos, atitudes e palavras. Estanquei, atônito!

Era bela, mas eu já presenciara muitas belezas, e sei que havia algo mais.

Era atraente, mas o que me seduziu, mais do que seu jeito, foi sua essência.

Era simpática, mas de um jeito informal e improvisado, que me arrebatou.

Era alegre, mas não se contrapunha ao meu modo meio tristonho de ser.

Era simples, mas muito tentou a difícil tarefa de compreender minha complexidade.

Era íntegra, mas não se jactava, não se exibia, nem monopolizava atenções.

Era amiga, mas sabia (como eu nunca soube) dar mais que receber, carinho.

Tudo começou a mudar, desde então.

O serviço terminou, mas continuei por ali, porque, simplesmente, não poderia mais sair para qualquer outro lado. Sentia-me incompleto sem sua companhia.

Até conhecê-la, já havia desbravado inúmeras situações e condições, das mais diversas maneiras, ganhando ou perdendo. Porém, todas as batalhas eram travadas no aspecto exterior da vida, onde as contas a pagar e os compromissos se sobrepõem às tentativas do filosofar, compor, escrever, observar, pensar. O pragmatismo e o vil metal imperam, acima de tudo.

O mundo não mudou. Talvez até tenha ficado mais complicado. No entanto, eu mudei.

Devo reconhecer, que em grande parte, aquela menina me mudou.

Ela continua a ser a mesma que conheci, embora hoje a entenda um pouco melhor.

Em todo esse tempo, juntos, vivemos situações triste e alegres, como os demais, mas é diferente enfrentar dissabores, quando a convivente preenche todas as expectativas e ilumina o espaço em derredor. Exatamente assim tenho me sentido, ao longo dos anos.

Quanto mais o tempo passa, mais a admiro, mais a amo, mais a quero, mais a vejo como meu horizonte sensorial. Não creio que alguém possa entender, talvez nem ela mesma, o quanto vai em meu íntimo, de apreço por tudo que sua pessoa representa. Posso falar de vínculos físicos, mas o que sinto transcende, em muito, o desejo por sua presença corporal.

Gosto de ouvi-la assobiar, cantar, rir, gemer com medo de trovão, assim como aprecio vê-la correndo por todo lado, tomando banho de mar e agitando seu espaço, sempre.

Sei de sua tremenda dificuldade em entender minhas elucubrações, que, aliás, quase ninguém entende, mas também sei que se desdobra em atenções para fazer o melhor para mim. Age sem alarde, mas seu afeto me envolve e me alimenta, a alma e o corpo.

Assisto às suas reflexões preocupadas, direcionadas, principalmente, àquela que a concebeu e à que por ela foi concebida, sem esquecer os demais familiares e amigos. Toda, ou quase toda sua movimentação, visa a convivência fraterna, e isso já demonstra, sem que eu precise dizer mais, o nobre caráter que se esconde atrás de sua simplicidade aparente.

Eu me sinto agraciado, abençoado e honrado em partilhar de tão agradável companhia.

Desde que a conheci, encerrei o capítulo das aventuras no mundo, retornei ao universo literário, por sua inspiração, e iniciei nova jornada, em que trago o mundo para meus textos.

Ela é âncora, luz, teto, aconchego, calor e afeição. Eu a amo, profundamente!

nuno andrada
Enviado por nuno andrada em 17/03/2017
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