Batendo na porta do céu

Uiraquitan, engenheiro, batalhador, bom de uísque, bom de papo, fumante convicto e notívago inveterado. Era... Eu digo era porque sua saúde não agüentou tanta porrada e fraquejou. Fraquejou não; faliu.

Jotalhão - assim ele é conhecido - viu-se, de repente, acometido de enfarte, problemas renais e estomacais, enfisema pulmonar, fígado prejudicado e, de quebra, um aneurisma cerebral. Jotalhão parecia a Linha Vermelha carioca: cercado de perigos por todos os lados. Removido às pressas para o Unicor em São Paulo, suas chances de sobrevivência eram quase nulas.

Rosa, sua filha mais velha, casou-se com um indiano lá pelas terras do Tio Sam e há muito não encontrava com o pai. Jotalhão nem sequer conhecia o genro.

O caso era grave. Uiraquitan estava em coma profundo há mais de quarenta dias. Seus familiares foram advertidos que se quisessem vê-lo vivo, se apressassem; a sua partida para outro plano era iminente.

Rosa, cheia de preocupações, conseguiu licença no emprego e largou-se com seu marido para visitar o moribundo.

Muhamad, o genro, por tradição e por motivos religiosos, não abre mão da indumentária tradicional de sua terra. Com turbante e tudo.

Em São Paulo, Rosa e Muhamad, incontinenti, foram visitar Jotalhão.

E, lá estavam os três na UTI: Jotalhão, mais entubado do que o laboratório do Dr. Silvana, Rosa chorando e rezando ao lado direitoe Muhamad, em seu conjunto de linho e turbante brancos, cópia fiel de um marajá, fazendo suas preces e cantorias orientais ao lado esquerdo da cama do doente..

Uiraquitan estava jogado ali, inerte, com os órgãos vitais monitorados por aparelhos, quando o médico plantonista entrou no recinto verificou gráficos, fez anotações, tomou-lhe o pulso, examinou-lhe as pupilas, balançou a cabeça negativamente e saiu da sala. Rosa desesperou-se imaginando que seu pai morreria sem dizer-lhe palavra e sem conhecer-lhe o marido.

De repente, o moribundo moveu o pé direito... Em seguida, fraco movimento dos braços... O “marajá” reclinou-se sobre a face de Jotalhão, pois achou ter visto movimento, também, em suas pestanas. Naquele exato momento, Uiraquitan abriu os olhos e, ao deparar-se com aquela figura estranha e desconhecida, mostrou expressão de espanto e pavor e exclamou com as poucas forças que lhe restavam:

- Ai, meu Deus... Morri!!!

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Aroldo Pinheiro
Enviado por Aroldo Pinheiro em 05/08/2007
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