O Chevette vermelho

Era domingo, fazia sol, mas ameaçava chover...

Do outro lado da calçada tinha um Chevette vermelho, era tão vermelho que dava vontade de ser atropelada por ele.

A primeira mulher, depositava na praça vasilhas azuis de dar enjoo, afim de alimentar os vira-latas da rua. Enquanto isso, uma segunda mulher, pedia para retirar as vasilhas azuis da praça, não porque estas lhe davam enjoo, mas porque a incomodavam os vira-latas da rua...

A primeira mulher dizia a mim que chamaria a polícia, a segunda mulher dizia a mim que chamaria a zoonose. Eu fazia que sim com a cabeça para qualquer uma das duas mulheres, pouco importava.

A primeira mulher estava ali para alimentar os cachorros, porque provavelmente, seu marido gordo estava em casa, esparramado no sofá roncando com sua enorme pança, enquanto a TV estava ligada. A segunda mulher estava ali para afugentar os cachorros, porque provavelmente, seu marido alcoólatra estava em casa, esparramado no sofá soterrado em latas e latas de cerveja, enquanto a TV estava ligada. E lamentavelmente, elas não podiam chamar nem a polícia, nem a zoonose para eles...

Era por isso que eu fazia que sim com a cabeça para qualquer uma das duas mulheres, pouco importava. Bem lá no fundo, eu sabia que a praça estava vazia, tudo era passível de desaparecer caso eu piscasse os olhos num intervalo considerável de tempo. O Chevette vermelho do outro lado da calçada, as mulheres com suas vasilhas azuis de dar enjoo e até a grama verde de onde brotavam meus pés. A praça estava vazia, a vida era uma coisa que corria ofegante pelo fio do telefone público da praça.

Era domingo, fazia sol, mas ameaçava chover... A primeira mulher dizia que ia chamar a polícia, a segunda mulher dizia que ia chamar a zoonose. Eu fazia que sim com a cabeça para qualquer uma das duas mulheres, pouco importava.

O Chevette vermelho do outro lado da calçada não dizia nada, nem a grama verde onde meus pés estavam plantados dizia coisa alguma. Até porque, se a grama dissesse alguma coisa, a grama não seria a grama, seria uma pessoa. Mas a grama não era uma pessoa, porque a grama não incomodava. A grama, nem sequer se incomodava com os vira-latas que passavam toda hora em cima dela, a grama não tinha um marido incômodo... A grama, nem sequer tinha um marido, e não precisava chamar a polícia nem a zoonose...

A grama era verde, só para sustentar os pés desta louca aqui que falava gesticulando ao telefone, como se pudesse ser vista; A grama era verde, só para sustentar os pés desta louca aqui que falava gesticulando ao telefone, como se não pudesse ser vista.

Era domingo, fazia sol, mas ameaçava chover... E apesar da praça estar vazia e da vida correr abundantemente pelo fio do telefone, fui obrigada a arrancar os pés da grama e interromper abruptamente o fluxo da vida que corria pelo fio do telefone. Porque a primeira mulher, precisava realmente chamar a polícia, e a segunda mulher precisava realmente chamar a zoonose...

E enquanto eu fazia que sim com a cabeça, para as duas mulheres que estavam na praça, não importava... Pensava na música da Madonna e no meu amor que não estava na praça, porque a praça estava vazia...

Segui em direção ao carro vermelho que era tão vermelho como a vida, que há poucos segundos ainda corria pelo telefone público da praça.

Era domingo, fazia sol, mas ameaçava chover... e o Chevette vermelho continuava lá, parado do outro lado da calçada, e não dava mesmo para ser atropelada por ele...

Lana Insana
Enviado por Lana Insana em 27/03/2017
Reeditado em 27/03/2017
Código do texto: T5953626
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