O conjugado de Alex

O conjugado de Alex era uma bagunça. Os únicos três pratos que ele tinha estavam sempre sujos na pia, roupas espalhadas pelo chão do minúsculo apartamento, um carpete verde na saleta para cobrir o chão de tacos já soltos. Havia um banheiro pequeno, uma cozinha separada por um balcão para a sala. Uma televisão antiga de frente para o sofá, ao lado de uma estante velha cheia de livros. A cama ficava em um quarto minúsculo ao lado do banheiro. Alex nunca fez a cama ao levantar-se. O jovem era realmente castigado por um tipo de sofrimento interno que só ele podia entender e nunca poderia transmitir aos outros. Ao ver que no mundo real os sonhos não acontecem como imaginado, e que as pessoas realmente machucam e que dificilmente alguém presta no mundo, o jovem se isolou. Não via mais sentido em ser um renomado pesquisador ou sequer ter muito contato com as pessoas.

Toda vez que chegava e olhava para sua casa, sentia um reflexo de sua própria vida. Respirava fundo e por milésimos tentava recordar onde tudo ficou desse jeito. Alguns anos antes ele era cheio de vida, planos, sonhos. Agora não passava de um apagado que ficava semanas sem contatar seus próprios familiares. Buscava fundo na memória flashes que sempre retornavam. A face dela... Nathalie!

Nathalie era uma belíssima garota, que na época tinha 22 anos. Pele bem clara, olhos claros e vivos e um cabelo escuro liso e comprido. Uma tatuagem enigmática no ombro, parecendo uma estrela. Alex ainda se lembrava do cheiro dela, andando por aquele mesmo apartamento. Usando um batom de tom avermelhado que se reconhecia de longe. Lembrava dos dois saindo de mãos dadas depois de uma noite maravilhosa e cheia de cumplicidades e indo estudar na mesma faculdade. Se divertiam e riam o tempo todo. Alex se sentia completo, assim como ela. Até que com mais de um ano morando juntos, Nathalie recebeu uma mensagem pela rede social de um ex-namorado que estava retornando ao Brasil, de Londres, para passar uns meses. A princípio ela iria apenas tomar um chopp com um velho amigo, obviamente sem Alex saber. Mas a coisa explodiu após um pouco de conversa e alguns chopes e os dois fizeram amor naquela noite. Nathalie descobriu que estava grávida cerca de um mês e alguns dias depois. A culpa a corroeu. Entre as mil coisas em sua cabeça, ficava como um martelo batendo o tempo todo que Alex é estéril! Ela acabou por deixar Alex sem nunca explicar pessoalmente. Simplesmente não conseguiu encará-lo. Quando Alex retornou da oficina para tomar banho e ir para a faculdade, havia apenas uma carta, e uma dor que nunca foi embora. De ser traído, de ser impotente e de algo que ele nunca poderia dar a ela vir de uma maneira tão sorrateira. Ele urrou de dor naquela noite. Sentia como se seu coração estivesse em uma máquina de moer cana. Era insuportável. Ele se sentia culpado. Culpado por não ser perfeito, culpado de não conquistar o coração dela cem por cento, culpado de não poder dar um filho a uma mulher um dia. E saber que outro deu! De ser apenas um jovem caminhando para ser um velho frustrado. Tudo passou em sua cabeça.

Uma semana depois, largou os estudos. Faltou dois dias seguidos na oficina alegando estar doente, e ficar em casa foi a pior coisa que podia ter feito. Sozinho, começou a refletir em como sua vida fora construída sob mentiras e como nada que viesse dele faria a menor diferença. Estaria ele sobrando aqui neste lugar sem nexo nenhum? Ele nunca mereceu ninguém, aquilo foi um favor. Ele não é digno de ser feliz! Por fim, colocou uma corda no pescoço. Parafusou duas dobradiças no teto da cozinha, amarrando a corda e subiu em uma cadeira. chutou para longe a cadeira e sentiu a corda comprimir seu pescoço de uma forma agonizante. sua visão começou a ficar avermelhada, e ele sentia seu pescoço pulsando. Não podia respirar! Tão apertado que ele não conseguia gritar desesperado que se arrependia do que estava fazendo! Mas a coisa toda durou cerca de segundos e uma das dobradiças arrebentou por conta do forro velho do teto. Alex caiu no chão com força, completamente engasgado e tentando chorar como uma criança com a cara no chão da cozinha. Seu único companheiro foi Chip, seu gato adotado de rua, que aparecia já há algumas semanas e naquele instante miava para Alex caído no chão, fitando seus olhos o tempo todo no jovem. De alguma forma, aquele pequeno ser de olhos brilhantes deu forças para Alex continuar em frente. As marcas da corda ficaram por semanas em seu pescoço. Ele só conseguiu retirar os fragmentos do teto que caíram no chão da cozinha após alguns dias.

Marcello Morettoni
Enviado por Marcello Morettoni em 07/04/2017
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