O filé e o osso

Início de noite de uma insossa quarta-feira junina, 27, quando uma parte de uma praça numa cidade do interior fica lotada de gente. À primeira vista, alguém poderia dizer que se tratava de um show de música popular (uma banda – pedaço? – tipo calypso ou nessa linha). Outro poderia afirmar que seria a visita de uma liderança política. Mas as eleições ainda faltam engolir um ano praticamente. Olha se não era um concerto de piano. Loucura meu! Um concerto de piano numa cidade interiorana no centro-norte deste continente chamado Brasil.

Arthur Moreira Lima tocou para uma boa platéia, dentro do projeto “Um Piano pela Estrada – Nos Caminhos de JK”, patrocinado pela Petrobras, Caixa e outras grandes empresas, tendo o apoio da Fundação Cultural do Tocantins (são seis cidades tocantinenses contempladas com o projeto), e da Prefeitura Municipal de Gurupi, por meio da Fundação Cultural. No repertório, obras de Bach, Mozart, Bethoven, Chopin, Pixinguinha, Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Luiz Gonzaga, Astor Piazzolla, entre outros compositores das músicas clássica e popular, brasileiras e universais.

Tudo isso me faz lembrar do velho lúcido (e lúdico) Ariano Suassuna. Em suas palestras e até em entrevistas, ele costuma questionar o velho ditado que diz que o cachorro gosta de osso. Em sua opinião, cachorro gosta mesmo é de filé e que ele só aceita o osso quando não tem o primeiro. Trazendo para a nossa praça, a quantidade de pessoas (cerca de uma mil) comprova o que Suassuna diz. E uma platéia educada, como observou o próprio pianista que, num certo momento, referiu-se a ela como de primeiro mundo.

Mas voltando para o mundo real, nosso dia-a-dia nos bombardeia com milhares e diversos tipos de ossos. São as músicas-osso, ruins de letra, péssimas de harmonia; as literaturas-osso, auto-ajuda e outras baboseiras midiatizadas que mais desajudam; TV-osso, com uma programação ossal, longe de ser colossal (perdoem-me pela pobre rima, são muitos anos de osso). E por aí segue...

Eu mesmo fui educado por quase toda a vida acreditando que ter o osso já seria o suficiente. Talvez até um sonho. Nordestino de vida “severina” que nunca largou o dito cujo até... Até que um dia descobriu que o filé também existia. Desse dia em diante persigo o filé. Só que, às vezes, o danado não se apresenta. Nesses dias, aprendi a jejuar.