[Des]pretensão

Todo mundo espera algo de um sábado à noite, isso é um fato, mas e quanto a uma sexta-feira, num feriado? Espero, quero, desejo sair. Eu quero dar uma volta, espairecer a cabeça, conversar e amenizar um pouco o meu tédio.

Pra cada pessoa que convido a me acompanhar eu recebo um tipo diferente de "não": "estou numa festa", "hoje eu estou tranquilo", "estou sem dinheiro"... todos tinham um compromisso que, não sair comigo. Enfim, tudo bem!

Decidi sair sozinho, então. Tomei banho e me arrumei pra ir logo ali, tomar um whisky e ouvir rock sentado junto ao balcão, como nos filmes, o perfeito solitário charmoso.

No meio do caminho comecei a trocar algumas mensagens com a única pessoa que não tive coragem de convidar, a qual eu verdadeiramente desejava a companhia. Que tal sairmos -- ela sugeriu. Mantive a pose, disse que estava indo a um bar, que iria ficar um pouco lá e poderíamos sair em seguida. Ela aceitou. Senti um frio na espinha e aquela velha sensação de "agora ferrou", finalmente a olharia nos olhos e isso me trouxe um mix de alegria e medo, a qual me acostumei a sentir em momentos importantes da minha vida.

Tudo certo, estou na estrada, a caminho da casa dela. Tenho poucos recursos, meu celular está sem bateria, não posso usar o GPS e não conheço o caminho tão bem.

Droga! Errei a entrada; Era pra ter pegado aquele retorno; Paro no posto para pegar informação.

Alí está, vi um letreiro com o nome de seu condomínio e com isso a volta daquela sensação... Não posso mais voltar, vou lá, enfrentarei seus 1,60m de altura, esperando passar uma boa imagem de mim. Esperando deixar transparecer quem sou.

-- Olá, muito prazer em te conhecer! Vamos tomar uma cerveja?

Sentados à mesa formamos a posição de três-e-meia e conversamos sobre a vida, sobre o tempo, e sobre o lindo céu estrelado que compartilhamos. Às vezes eu não entendo completamente suas frases, não por conta sua dicção nem nada disso, mas sim porque estou hipnotizado por sua beleza, só balanço a cabeça positivamente há alguns segundos, vendo seus lábios se mexendo e desejando tocá-los; Está cedo, vai com calma garoto!

A cerveja acabou e agora preciso pensar em algo rápido, antes que ela me peça para levá-la pra casa e ter de vê-la se despedindo, tão cedo, esperei tanto por isso, não pode acabar assim.

-- Me leva pra casa -- ela disse. Acho que deve ter notado minha cara de decepção -- preciso pegar o esqueiro em meu carro, para fumarmos um cigarro por aí. Que tal a casa do meu pai?

Chegamos à residencia de seu pai, após passarmos em sua casa e eu ter errado alguns caminhos, passado em buracos no asfalto e não visto algumas lombadas, agora estamos seguros.

Ela me apresentou a ele, um cara boa pinta e muito simpático, espirituoso e inteligente que me contou um pouco sobre seu trabalho. Eu estava realmente interessado em ouví-lo, mas ela não está tão afim de me dividir, inventando desculpas para irmos para a varanda, a sós.

Pegamos uma taça de vinho e alguns cigarros e pra cá viemos, estamos sentados num banco sob algumas centenas de bilhões de pontos brilhantes no céu. O papo é bom e eu fico cada vez mais encantado por ela.

Mais de uma hora se passou e ainda estamos aqui, não antes de ouvir mais duas ou três histórias de seu pai, quebrar uma das taças (que acho ter sido de propósito, para bebermos numa só) e ela ligar um som. Sim, ela colocou uma música pra tocar, nada romântico, nada tão parado, ela não está tentando criar um clima, só quer ouvir boa música em minha companhia, nada demais.

Um som mais calmo começa, sinto vontade de abraça-la e sentir sua energia se fundindo à minha:

-- Levanta, deixa eu te dar um abraço -- eu disse.

O tempo parou por um minuto, tudo que eu sinto é a batida de seu coração e a forma como ele sincroniza com o meu -- Tomara que eu não esteja com o perfume amadeirado -- pensei.

Não adianta mais, é inevitável o toque de nossos lábios é iminente. Nos beijamos ao som daquela música romântica que dizia: "Você ainda vai me amar quando eu não for mais jovem e bonita?". Mentalmente, não pude responder no mesmo tom, afinal, a música falava sobre amor, e apesar de toda a intensidade desse momento, não posso me precipitar. Em consolo, respondi: "Gostaria que esse momento durasse para sempre".

Me despedi de seu pai e fomos a caminho da casa dela. Ela é uma figura, faz piada o tempo todo e me causa gargalhadas aos montes.

Chegamos. A deixei. A vi virar as costas e sumir dentro de sua casa. Nesse momento estou feliz por ter conhecido alguém como ela, alguém muito parecida, quase identica àquela que eu venho procurando há tempos. Alguém rara e valiosa, delicada e forte, linda como uma mulher e docê como uma menina. Espero que essa cena se repita algumas vezes. Espero ver de novo aquele sorriso e também poder causá-lo, com mais uma de minhas piadas sem graça.

Esse feriado vai ficar marcado em minha vida como o dia em que eu sai para tomar um whisky, sem grandes pretenções e voltei pra casa sentindo uma felicidade enorme e uma sensação de querer mais.

Pretendo repetir.

Marco de Souza
Enviado por Marco de Souza em 15/04/2017
Reeditado em 04/06/2017
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