___________Que cara é essa?

 
Coisa que me irrita bastante é a pergunta: que cara é essa? Não pela  indagação em si, mas pela carga impregnada por detrás do que poderia ser mero questionamento. Normalmente já denota o teor dos sentimentos que vêm com ela: estresse, impaciência, intolerância. Como se vê, tudo sentimento da mesma laia, ou seja, nada de proveitoso.

Que cara é essa? Cara feia? Cenho fechado? Sobrancelhas cerradas? O que comumente se designa azedume, deve ser. As provas são evidentes, quando a pergunta retorna ao interlocutor: como assim, que cara é essa? E o reforço não se faz esperar: sei, lá! Cara de quem comeu e não gostou...

Jiló, para alguns; limão para outros... pimenta, talvez? Sei lá, também tem gente que não gosta de doce, não gosta de sal, estranha o adstringente, repele o picante. Gostos são todos, são tantos, mas naquele momento de sua inquirição a pessoa está achando que você comeu alguma coisa que não gostou... A cara, a sua cara, está contando. Ah, cara delatora, menina terrível, que não esconde sentimentos! Que mania, esta sua, de alardear o que não se quer que ninguém veja!

Acontece. Há momentos em que a cara da gente não é mesmo das melhores. As insatisfações, as contrariedades, as tensões pintam de um momento pra outro e aí não há mesmo outro remédio senão sinalizar, dando a maior bandeira,  de que as coisas estão mesmo meio azedas, ou azedas por demais.

Pois muito bem, dia destes estava eu num grupo, digamos, de pessoas muito próximas. E num papo ruim demais, resolvi me excluir, ficar de lado só prestando atenção nas chusma de bobagens que fluíam. Há momentos em que a melhor coisa que se faz é ficar calada, trancafiar qualquer tentativa de manifestação e orar em favor do mutismo total...

Mas, nem sempre lhe é dado o direito de ficar calada. Há quem renegue o silêncio em qualquer circunstância e ignore completamente o direito pleno e total que todo e qualquer cidadão tem de colar e calar os lábios numa livre e espontânea demonstração de não-reação. Foi assim que a frase não se fez esperar: que cara é essa?

Pega de surpresa, dei a reposta que ninguém merece ouvir, mas mereceu: a cara de quem deseja apenas ficar em silêncio, pode ser? Eu não sabia, mas desconfiei que não podia, pois logo veio o “parece que comeu e não gostou”. Nestes casos é imprescindível que se retruque “cara de quem ouviu e não gostou”. Não sei se houve entendimento, mas o silêncio voltou a imperar. De minha parte, porque as muitas tolices continuaram a correr a roda, até que meu direito de sair dali pudesse ser exercido... Ah, que cara é essa, cara? Nesse caso só mesmo respondendo com uma bela careta disfarçada...