O último ponto

Sempre andei de ônibus, sabe aquelas coisas que todos demoram a fazer mas você já fez? Para mim foi andar de ônibus, meu grande paradigma sempre foi entender porque além de ter que ser a pioneira entre os amigos a embarcar nas aventuras automobilísticas miseráveis eu ainda deveria descer no último ponto. Era uma viagem de 40 minutos, com trânsito 52,53 dependia do humor do seu João, seu joão meu motorista. Existia três tipos de ônibus na minha cidade e eu só gostava de um, o mais antigo, os novos não faziam aquele barulho sabe? Aquele que ônibus velho faz, aquele que indica que ele está se aproximando do ponto. De todas as minhas infinitas viagens eu jamais esquecerei de uma, o dia em que seu João não acordou feliz. Ele era um homem simples, de poucas palavras, criado no interior. Sempre falava mal do governo e esgoelava por todo o trajeto sua admiração por vargas, "aquele sim foi um homem de verdade". Eu sempre estava de fone mas a voz firme de seu João era audível a quilômetros. Nesse dia meu celular havia acabado a bateria. Ah seu joão se eu soubesse... Nesse dia o ônibus foi o novo, não embarquei feliz, aquele não fazia barulho. Naquele dia não havia cobrador barrigudo, nem passageiro arruaceiro, naquele dia era eu e seu João. Ele estava triste, aquela tristeza de quem já havia desiludido-se com a vida tantas vezes, aquela tristeza com cheiro de pinga fresca pela manhã. O trajeto foi melancólico, não ouvi a voz de seu João, ouvi apenas seus soluços beberrões e suas freadas ébrias. Alguns passageiros entraram e desceram, apenas eu descia no último ponto, um homem escuro passou com uma maleta, uma mulher alta com uma tiara e uma criança com uma boneca. Faltava pouco para o último ponto, aquele ponto que eu tanto odiava. E foi então que seu João parou, os soluços as freadas cessaram. Ah seu joão se eu soubesse... quando o dito cujo passou pela catraca e veio em minha direção, seu cheiro de cachaça invadiU minhas narinas sua voz antes firme, agora falhava. Ah seu João se eu soubesse... soubesse que naquele dia nenhum ponto, Vargas ou passageiro me salvaria do motorista de olhos negros e mãos fortes.

Gleicy Soares
Enviado por Gleicy Soares em 02/05/2017
Reeditado em 02/05/2017
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