Não, não é bom morrer! EC



Queria escrever um texto alegre, divertido, descontraído mas... Não estou divertida. Não estou alegre. Não estou descontraída. Então, meu pobre texto me perdoe a audácia de usá-lo e, até pergunto: será que é bom morrer? Será que se acaba mesmo com a tristeza, a descontração, a maldade vai embora, a gente fica melhor, num mundo melhor, como a gente imagina?

Viram? Não estou divertida porque tenho um temperamento muito retraído... Aqui em casa vivemos uma temporada, já alongada ( utilizando o vocábulo jurídico da moda) de doenças, que nos aprisionam e, que agora se agravou com a doença do chefe da casa, do esposo ,do pai, do avô, do padrinho, do tio, do profissional, do amigo, e, há vinte dias hospitalizado. Situação também que se alonga. Não há motivo para alegria, embora diante dele, nas visitas, a gente sorri, brinca, conta piada... E ele também se esforça para parecer melhor. Coisas da idade que chega, do tempo, do movimento da vida...Por isso não estou alegre nem divertida. Ele sofreu porque no hospital, não havia vaga na UTI o que só se efetivou depois de dois dias em que teve de ficar uma noite inteira, numa cadeira, depois o levaram para uma maca estreita e de colchão de cinco centímetros para um homem com cento e quarenta quilos deitado naquilo, imagino como deve ter lhe doído as costas, porque de tão estreita, ele não podia se mexer sem correr o risco de cair, onde ficou um dia todo. O pessoal da enfermagem atendia, fazia os procedimentos na correria, coitados e aguentando as reclamações de todos. Depois o mudaram para a emergência: bem melhor: mais espaço, melhor cama – ampla, colchão bem alto e firme- mais tranquilidade, mais calma. Enfermeiros trabalhando muito, mas com mais tranquilidade. Depois de dois dias ali foi transferido para a emergência cardiológica com UTI. E ali está. Agora bem tratado, onde ficou à espera de um procedimento c mas sujeito à espera e a vaga num leito na UTI o que por duas vezes foi suspenso com a chegada de casos mais graves.

Ficamos revoltados com a situação, não pelo atendimento aos que corriam risco de vida mais imediato, mas porque o hospital estava sem estrutura para atendimento; e se ele estivesse ocupando o leito e estivessem executando o procedimento cardíaco e esse paciente chegasse o que eles fariam? Quem iria ter o atendimento adiado ou, parariam o atendimento de quem? Como fariam para atender o paciente com enfarto ou AVC que chega? Triste decisão dos pobres médicos. E meu marido por duas vezes teve seu problema adiado.

Relatei o problema do meu marido , que não é o único nesse hospital, para falar da minha revolta com os corruptos. A culpa dos hospitais estarem nessa situação é dos políticos que se corromperam, dos funcionários que recebem propinas para infernizarem a vida dos demais.

Por isso não estou nem alegre, nem divertida. Estou contraída. Meus músculos doem. Tenho um nó na garganta. Eu sei que Meu Brasil também está enfermo. Está na UTI. Sei também que não há intensivista suficiente para levar ou trazer a saúde de volta. Os médicos, no caso, os políticos estão mais para assassinos em massa do que para intensivista. Aliás são intensivistas em causa própria. Cada propina que receberam foi um leito, um emprego a menos. E isso não perdoo nunca. E foram bilhões, até trilhões que foram tirados do salário, dos empregos, dos hospitais, das estradas, da educação, da saúde em todo o Brasil.

Meu Brasil está sem segurança sendo continuamente ameaçado de morte por criminosos que o levaram a falência de alguns órgãos. Somos ameaçados de multas da hora que o dia clareia até ao escurecer. Pagar para levar o Brasil à falência, às UTIs sem intensivistas. É triste!

Enquanto um médico tenta salvar os pacientes pedindo calma, repouso, que não saiam de casa, que não viagem, outro médico, este insensato ameaça, tenta agravar a doença ao extremo da morte pois sabe que a fantasia, da cura, agrada alguns doentes já em fase terminal, que acreditam que esse seja o médico que fará a ressuscitação do país. A doença é grave, quase letal e, os doentes imaginam que qualquer comprimidinho poderá salvá-los. A gente ora, o padre reza, os umbandistas pedem, os alquimistas produzem remédios muito caros, mas nada disso devolverá a saúde cada vez mais debilitada. Por isso estou contraída.

Meu pobre texto, me aguente firme, por favor. E te digo amigo, texto, que nessa altura acho que morrer não seria bom. Morrer com mágoa, com tristeza, contraída não é bom. Nem a última, a extrema-unção, fará efeito de acalmar espiritualmente, e do outro lado ainda me encontrarei com os infelizes que acabaram com a minha saúde, do meu esposo, do meu país, dos meus vizinhos. E isso me fará mal. Não, não é bom morrer assim.

O bom é morrer com a alma tranquila, apaziaguada e no momento, não há paciente no Brasil nessas condições. E não adianta, meu pobre texto, me dizer: tem que perdoar, tem que ter tolerância, tem que aceitar. Não! Eu estou engolindo seco tudo o que os malditos médicos fascistas fizeram com Meu Brasil. Estou indignada com a postura dos Juízes que deveriam tirá-los da ruas, dos hospitais, das escolas, da segurança, das estradas.

Não! Não é bom morrer com tanta mágoa, porque isso será me remeterá a uma reencarnação para me educar, com todos esses sofrimentos novamente. Não . Não é bom morrer! E Meu Brasil está assim doente, quase morrendo porque muita gente ainda acredita no médico-monstro, aquele que ministra veneno, despeja ódio pelas presas quando abre a boca, que está sempre de bote armado contra os pacientes que se atrevem a enfrentá-lo.

Não, não é bom morrer, pelo menos por enquanto.

E quero, meu texto, voltar a ser alegre, descontraída, divertida. Aí nessas condições acredito que deve ser bom morrer, pois a missão foi realmente cumprida: aprendi a ser tolerante com o que deve ser realmente tolerado, alegre com o entorno, descontraída, serena, porque tudo foi curado, os médicos-monstros foram capturados, foram presos numa cela três por três de onde só sairão numa caixa de um por um.


Este texto faz parte do Exercício Criativo - Será que É Bom Morrer
Saiba mais, conheça os outros textos:
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MVA
Enviado por MVA em 08/05/2017
Reeditado em 08/05/2017
Código do texto: T5992994
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