Pequenas lembranças, grandes saudades

Existem fatos do dia a dia que me enchem de saudade de outros tempos

que acreditavamos mais rústicos e menos sofisticados mas que

evidenciavam muito mais cuidado com as pessoas do que os que

atualmente ocorrem.

Lembrei-me, por exemplo, do tempo que trabalhei com meu pai em um

supermercado, sendo que eu era o "faz-tudo": fazia serviços bancários,

reposição de mercadorias, remarcação (no tempo da malfadada inflação

altíssima), atendimento e empacotava compras, além das tarefas

diversas.

Resgato os bancos. Não havia automação alguma, ao contrário, os

computadores de uso pessoal nem haviam aparecido ainda em 1975, quanto mais os caixas automáticos. Cada vez que se chegava ao banco com um cheque, o caixa dirigia-se a um grande armário e puxava uma ficha

referente à movimentação do cliente e nela anotava o cheque pago,

fazia a baixa nos valores e conferia a assinatura. Autenticava o

cheque em uma máquina mecânica Borroughs e nos dava o dinheiro sempre perguntando com gentileza se havia algo mais para ser feito. Não me lembro de filas, talvez porque a demanda não fosse tão grande mas

havia uma grande disponibilidade de caixas para atendimento. Aliás,

recebiam de tudo: conta de água, conta de luz, impostos (argh!!!), sem

quaisquer restrições.

Lembro-me também de que meu pai, juntamente com a correspondência

bancária, recebia todos os cheques que havia passado e lembro-me do

furo que os inutilizava, bem no meio do documento e que eles acabavam

por virar os nossos primeiros "jogos de gente grande".

Quando ecologia não era "hit", nos supermercados usavamos sacos de

papel que reconheço às vezes se rompiam mas mais por desleixo dos

empacotadores que iam além do peso máximo de cada tipo de saquinho ou

do seu manuseio indevido.

Ah! O cliente era freguês, entregavamos as compras nas casas próximas

com o carrinho manual, não raro na companhia da própria compradora que

nos presenteava com bolos, doces ou um "troquinho" para comprarmos

balas.

Tínhamos NECESSARIAMENTE de ser gentis. Gentileza era levar a freguesa até o produto, mostrar as opções, ir buscar no depósito sob protestos do gerente, no caso meu pai, que achava que se havia no depósito deveria haver na prateleira no que estava perfeitamente correto.

Nós nunca diziamos que não tínhamos a mercadoria mas que "tinha mas

acabou". Motivo de riso, inclusive o meu, tinha uma justificativa. Se

disessemos que "não tinha", significava que "não tínhamos, não

teríamos e nunca tivemos" o produto pedido. Se não tínhamos (mas havia

acabado) deveríamos informar o gerente que anotaria e passaria para o

departamento de compras a demanda, depois de consultado se não havia

nada no nababesco "Depósito Central".

Café, vinha em grão e era comprado no moderno sistema "self service",

onde um saquinho parafinado era enchido na quantidade de 250 ou 500

gramas à gosto do freguês e selado com fita adesiva.

Bons tempos! Na segunda e na terça-feira, obrigado a servir-me de um

banco que não era o meu, fiquei duas horas na fila em ambos os dias. A

tecnologia que deveria nos ajudar e era a grande panacéia para todos

os males, serviu na verdade para a despersonalização e desleixo com as

pessoas. Tudo é tão fácil que quem não se serve das "facilidades" é um

UFO que não merece lá muita atenção e sequer respeito. Nos supermercados, não existem mais os gentis atendentes mas pessoal

esparso, perdido e que nem sempre prima pelo reconhecimento da

importância do freguês, ou melhor, do agora cliente.

Ecologia? Ao invés dos sacos de papel, essas odiáveis sacolinhas de

plástico não recicláveis que, mesmo com os usos alternativos, acabam

aumentando a poluição e acabam nos aterros sanitários, poluindo o

ambiente.

E o café? Algumas marcas excepcionais mas outras que apesar das ISO

9000 da vida, ficam muito a desejar, deixando no ar da lembrança a

saudade dos aromas dos cafés recém-moídos e frescos.

Por isso não reclamo da minha idade apesar das dores que já começam a

surgir pelo corpo. Sinto-me recompensado em ter vivido uma época onde

as pessoas atendiam com gentileza, preocupavam-se umas com as outras e

mostravam um grande carinho e respeito.

Salve meus 42 anos! É isso

André Vieira
Enviado por André Vieira em 10/08/2007
Reeditado em 10/08/2007
Código do texto: T600870