A minha última tentativa

Na minha última tentativa, dei tudo de mim. Entreguei-me inteira: junto à alma foi o corpo, e o amor, e a certeza de que o perdão era possível e o passado seria esquecido. Na minha última tentativa, despi-me toda, junto ao orgulho foram as verdades, as razões e as lágrimas que, um dia, havia derramado em vão. Ainda que não soubesse, era a última vez que, sem porquês, recomeçava, pela última vez rasgava do meu diário as páginas acabadas enquanto buscava novas folhas, incompletas, como uma menina que acabava de desabrochar. Era a última vez que acreditava em milagres, que rezava com a intensidade exagerada que continha minha alma, que dispunha da minha calma. Era o detalhe! Aquele mesmo, que sustentava o edifício inteiro. Aquele que, diria o poeta, fez de mim pura pressa, tristeza confessa, junto ao reencontro, e o recomeço, e novos textos.

Fitava o espelho, os anos corriqueiros, toda a dor que escorrera naquela pia que, novamente, me continha. Era assustadora a minha nova face, a desesperança de alguém que falhou e que falharia enquanto fosse dia, que deu tudo de si e voltou com versos despedaçados e um "eu" transformado. De alguém que recomeçaria, agora, sem uma singela alegria, sem a infantilidade doce dos que conservavam o coração intacto, puro como a manhã que chegaria. Pra onde iria? No mais profundo de mim? Ou no mais longe que o futuro me levaria? Andaria, andaria, andaria. Até que minhas pernas não tivessem forças e não andassem mais, até estar tão longe que não poderia voltar: veria o futuro e tão somente algum distante lugar, que meus olhos ao menos seriam capazes de fitar. Veria uma sombra, um desconexo recomeço, algo vibrante que mudaria o tom da estrada que, há pouco, atravessara a versar. E, como num truque de mágica, nada seria capaz de me fazer retornar. Nem a mais bela das rimas ou o mais singelo dos pedidos, nem a saudade ou a mentira. Não mais retornaria, tampouco enxergaria-me naquele espelho, ou naquela pia, ou nos versos. De tudo, me despeço!

E, em frente ao espelho, derramada sobre a pia, fecho os olhos e me reconheço. Bem ali, no mais fundo do meu sonhar, onde ninguém ousou entrar. Decido ficar por lá. Rezo. Rio. E agradeço por, após tantos gritos, ter em mim o silente sonhar de quem jamais irá parar de tentar.

Fernanda Marinho Antunes
Enviado por Fernanda Marinho Antunes em 01/06/2017
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