Receita futebolística

A vida seria muito melhor se psicólogos, psiquiatras e quaisquer outros profissionais dedicados a entender as mazelas da mente humana receitassem aos pacientes uma bela partida de futebol. A arquibancada funciona muito mais que os manicômios, clínicas de reabilitação e alas de psiquiatria nos diversos estabelecimentos de saúde mental espalhados pelo mundo. Todas as fontes de sofrimentos são - pelo menos por noventa minutos - exterminadas, e só a alegria em ver a alegria do povo existe na cabeça do torcedor.

Seja no Frasqueirão, na capital potiguar, onde a força do vento é quase tão grande quanto a pressão da torcida; ou em São Januário, estádio classudo, com arquitetura inspirada nos prédios mais antigos do centro do Rio, e situado no nostálgico bairro de São Cristóvão. Ou mesmo no Abadião, na Ceilândia (DF), onde, pela falta de refletores, os jogos são realizados à tarde, horário no qual o sol castiga livremente o único lance de arquibancadas do estádio.

Isso para não falar do lendário, mítico, magnífico, exuberante Maracanã - o antigo, obviamente -, com o tremor das bancadas e a grandeza de tirar o fôlego, pelo menos ao primeiro contato. Não há ser humano capaz de sentar-se nas arquibancadas e se manter impassível ao espetáculo no relvado. Quando uma bola é perseguida por quarenta e quatro pernas, o planeta para. E ai daquelas mazelas que insistirem em deteriorar a vida humana.

Num mundo ideal - talvez em um universo paralelo já haja algo do gênero -, os especialistas em mente humana não receitariam Plazis, Diazepans, Depakotes e Rivotris, mas diagnosticariam a gravidade da situação e elegeriam uma partida a ser prestigiada pelo paciente como tratamento para casos de ansiedade, distúrbio bipolar, esquizofrenia, e etc. Dá até para imaginar a cena, num dia comum em uma farmácia como outra qualquer.

- Bom dia, senhor, como posso ajudá-lo?

Com cara de preocupado, o homem, com algo em torno de setenta anos, responde baixo, talvez por vergonha dos outros clientes na drogaria:

- Bom dia, amigo. Acabei de sair do psiquiatra e ele me receitou um jogo de futebol para tratar da depressão.

- Ah, sim, temos jogos muito interessantes aqui. Alguns genéricos, mais baratos e sem muita eficácia, mas mesmo assim ajudam - diz, com um sorriso mecânico, o atendente.

O cliente analisa a tabela de ingressos disponíveis. Depois de um certo tempo, finalmente a escolha.

- Quero esse - e aponta com o dedo para um bilhete marcado com uma bola preta. - Já que eu TENHO de ir em algum, irei nesse.

- Mas, senhor…

- O quê?

- Tá vendo essa bola preta? Quer dizer que não é indicado para cardíacos, idosos e gestantes - argumenta o vendedor.

Ao ver a cara de indagação do velho à sua frente, finaliza:

- Esse jogo, além de clássico, é final de campeonato.