Um segundo de um ano atrás

De repente, o dia acaba. Mas e se o dia não acabasse? Quem seríamos se permanecêssemos presos em algum segundo de muitos meses atrás? E que malabarista é a vida, com um quê de artista, sabe qual segundo roubar. Era o que cantava a menina, um ano depois de, pela primeira vez, ver sua vida acabar.

Era tão pequenina, não conhecia os dós da vida pois que ainda perdia-se em suas próprias melodias, sem fazer ideia do dom que aquela perda iria criar. Era seu primeiro namorado, um menino doce, tão doce que era, até mesmo, caricato. E assim era a adolescência, singela e bonita, como um poema que se acaba de rimar. Ainda que soubesse que as palavras eram incertas, por vezes, perguntava-se, seria aquele o único menino que iria amar? Aos poucos, ele, que acabara de conhecer o mundo, conhecia a si, enquanto ela, sempre tão alegre, fitava possibilidades de leveza no caminhar. Era tudo que aqueles dois poderiam sonhar.

Um dia, desses tantos outros que passaram juntos, receberam do universo algum conhecimento do mundo. Tinham crescido e, de repente, transfiguravam-se em versões novas que eles ao menos conheciam.

" E agora?"- ela olhava o rapaz de traços tão bonitos

"Agora a gente cresce"- respondeu, convicto.

Cresce? Ela não entendia. Como assim, crescer? Crescer era invenção de algum ladrão de tempos que vive por aí, roubando o pouco de vida que ainda regia os amores infantis.

E, então, mais segundos passaram, tudo parecia igual ainda que ela soubesse que o menino já não era o mesmo. Talvez não fosse mais tão menino, ou tão bonito, ou tão gentil, ou tão interessante, ou tão... talvez ele fosse mais um, dos tantos outros rapazes que andam aos montes, sem rumo, por aí. Mas ela não desistiu, foram aos mesmos lugares, encontraram os mesmos amigos e fizeram tudo como sempre, ainda que suspeitara: algo estava diferente.

E que poderosa era a intuição da menina! Em um dos sábados que compartilhavam, sentaram-se os dois e os amigos, abriram as bebidas ( que, a essa hora, já eram alcólicas) e, em meio a tudo que a fazia ser quem era, cruzou os olhos com o menino que fitava uma de suas amigas. E ele sorria. Não como sorria quando a via, era um sorriso muito mais perverso, que desejava algo que ela sabia que não conhecia. Com o coração acelerado, viu o tempo parar por alguns segundos ( desses que a vida rouba de nós), observou o menino e viu seus dedos, entrelaçados. Tratou logo de separa-los. Recolheu as mãos, e, pela primeira vez, não soube o que fazer com elas. Pegou o telefone, foi embora. Não pediu explicações, não mais o viu.

E nunca mais voltou. Foi quando, passados um ano, entendeu o que o menino dissera. Ela cresceu. E crescer, às vezes, é o único caminho para dois meninos que, tão sozinhos, perdiam-se no abrigo do outro.

Fernanda Marinho Antunes
Enviado por Fernanda Marinho Antunes em 24/06/2017
Reeditado em 24/06/2017
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