Um Assalto Muito Louco

Rio de Janeiro, dia 08 de setembro de 2016

Era horário de almoço, quando eu voltava para a minha casa depois de uma longa manhã de estudos no cursinho (pré-vestibular). Me dirigi até uma das estações do BRT (Bus Rapid Transit), aonde peguei um ônibus que ia para uma estação mais próxima da minha casa. - até porquê pegar um ônibus para uma estação mais distante, seria loucura, não é mesmo?

Após uma longa viagem de dez minutos, - parece pouco, mas num BRT lotado e com você todo espremido, é uma eternidade - cheguei ao meu destino. Saindo do terminal, me desloquei até a passarela, onde tudo aconteceu. Eu estava andando, quando de repente, um jovem entrou na minha frente, me parou e disse:

- Ô piá, tu sabe correr mais que uma bala?

Eu, confesso que sou um pouco devagar. Meus amigos até me chamam carinhosamente de "lerdo'', porque eu demoro a entender as coisas. Então, naturalmente respondi:

- Oi? Desculpa, não entendi!

- Po#%@! Tu tá de deboche? Tu é X-9?

- Moço, eu não sou X-9, sou só um estudante.

Perceba que até esse momento, eu não sabia que se tratava de um assalto. Eu, ingenuamente, imaginava que ele estava sob algum efeito de drogas, ou, que ele era um doente psiquiátrico. Não passava pela minha cabeça que ele era um assaltante. Então, fiz a inocente pergunta:

- O senhor precisa de alguma ajuda?

- Que ajuda, irmão? Isso aqui é um assalto. Passa a grana!

- Ah, sim. Me desculpe, eu não tinha entendido. Deixe-me ver aqui no bolso quanto eu tenho.

- Vai rápido, vai rápido! Disfarça, finge que a gente tá batendo um lero.

- Oi?

- Po#%@, é pra fingir que a gente tá conversando.

- Ah, sim.

O interessante, é que várias pessoas naquele momento passavam pela passarela, mas eu não tive a reação de pedir por socorro à alguma delas. Nem elas percebiam o que estava ocorrendo, ou se percebiam, simplesmente ignoravam. É interessante ver também, que os bandidos criaram um novo dialeto, pois há gírias e palavras que só eles entendem. Mas enfim, continuando a história - fatídica por sinal - futuquei meu bolso e, lembrei-me que nele só havia dois reais. Nessa hora, eu tive a certeza de que iria levar um tiro.

- Cadê o dinheiro?

- Olha, seu bandido...

- Bandido não, porque eu sou pai de família.

- (?) Ok. Mas olha... Infelizmente, eu só tenho dois reais mesmo.

- Tu tá de deboche? Tô aqui com uma arma agulha afina pronta para ser usada... Tá afim de levar um teco?

- Mas cara, eu só tenho isso. Eu sou estudante, não tenho dinheiro, tô voltando exausto do meu curso... Só quero ir pra casa!

- Então me passa o celular que eu tô vendo aí no seu bolso, que eu te libero.

- Toma! (Entreguei meu celular)

- Po#%@! Mas esse celular é muito vagabundo!

- Moço, eu não tenho culpa de ser pobre.

- Tá, tá... Desbloqueia ele pra mim e disfarça.

Enquanto eu tentava desbloquear o celular, - haja visto que eu estava super nervoso - ele resolveu bater papo comigo de verdade.

- Pô, nem me apresentei. Meu nome é Eduardo, moro na comunidade tal, tenho uma mulher e dois filhos. Cara, desculpa te roubar, mas lá em casa tá todo mundo desempregado, meus mulekes tão passando fome, e eu entrei pra essa vida do crime, agora não posso mais sair.

Por um segundo, quase me apresentei dizendo meu nome e endereço.

- Caramba, cara! Eu imagino como deve ser difícil, mas se precisar de ajuda, eu posso te ajudar a arranjar um emprego; posso comprar cestas básicas para você e sua família...

- Pô, mano! Valeu mesmo! Mas não se mete nisso não, pois pode dar mó ruim pra você... Eu tô devendo um pessoal lá na comunidade...

- Mas cara, o crime não compensa! Pensa na tua família, cara. Já pensou se tu for preso, ou pior, se tu for morto?

- Eu penso nisso toda hora, mano. Mas não dá! De qualquer jeito vão querer cortar minha cabeça...

- Pô, cara. Tenta procurar uma ajuda, ou melhor, uma igreja que possa te ajudar. Se aproxima de Deus, ele é bom o bastante para perdoar os seus pecados e te salvar.

- Não dá, mano... (com os olhos cheios de lágrima e voz de lamento)

- ...

- Já conseguiu desbloquear o bagulho?

- Já, toma aqui!

- Pô, valeu mano! Desculpa aí te roubar, ter te abordado assim, mas tu parece ser um cara tranquilo... (abriu a mochila) Toma aqui um biscoito, brother.

Eu juro. Ele me ofereceu um biscoito, eu recusei, falei para ele levar para os filhos dele, ele entendeu, apertou minha mão, me deu um singelo abraço, devolveu meus dois reais e, foi embora.

Eu, sinceramente, fiquei emocionado. Em nenhum momento fiquei chateado ou revoltado, pois o meu desejo era/é de ajudar aquele homem. Eu nunca mais o vi, mas eu rezo até hoje para que ele saia da vida do crime e encontre o caminho certo. Eu rezo também para que um dia eu possa encontrá-lo, mas vê-lo de uma forma diferente, isto é, transformado. Eu ainda acredito em mudança, e espero, do fundo do meu coração, em breve, fazer outro texto, contando sobre a trajetória do meu amigo: de assaltante, para um cidadão do bem.

Vocabulário:

Piá = Menino

X-9 = Caguete, delator, fofoqueiro...

Teco = Tiro

Leonardo Salomon
Enviado por Leonardo Salomon em 09/07/2017
Reeditado em 06/07/2018
Código do texto: T6050038
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