Enquanto espero

Espero o avião. Preparo-me para embarcar. Vou tomar o avião... vou pegar o avião..., vou de avião..., vou a..., vou no avião..., vou além, vou lá.

Paro um instante, analiso: tomar, pegar, vou de, vou a __ que estranho usar essas palavras para expressar “ser levada”. O que mais incomoda em ser levada é a passividade do sujeito. __ que peso, que impotência pensar em ser levada. Eu me programei, batalhei, fiz tanto... __Não seria levada __ Eu vou! Sinto uma pontinha de desprezo ante a pretensão, “não ser levada”. Na verdade, o que eu sinto mesmo é desespero ao ser algemada a uma leve nostalgia e transportada a um tempo de criança, quando ouvia o som distante do avião e minhas emoções se extravasavam.

Logo dava o alarme para outras crianças: __O avião!!__ E todas gritando, corríamos para o meio do quintal, e com as mãos em aba, sobre os olhos, vasculhávamos o céu, procurando e esperando no infinito a materialização do som. .

Quando ele se posicionava, verticalmente, sobre nossas cabeças, pulávamos e gritávamos, com os braços erguidos, em uníssono com o mais alto som que vinha do alto: __Avião, traz uma boneca para mim! __Durava apenas um instante e tudo voltava ao normal.

A certeza de não ser ouvida, de que gritara em vão, de que não haveria boneca, não me tirava a alegria e nem ansiedade, quando um novo ronco rasgava o céu.

Nunca pensei fugir daquele mundo parado, perene, patrimônio da família há tantas gerações, nem vê-lo sob outro ângulo. Aquele mundo excluído, alienado, pungente, cuja única fartura eram as fantasias e o avião só as alimentava. Era mágica a convivência harmoniosa daqueles elementos tão controversos.

Eu sairia, e saí. Mas saí só, o avião não me trouxe a boneca, mas um outro mundo. No aeroporto olho a máquina e não reconheço a luz metálica, que tantas vezes vi reluzir no céu, mas um invólucro de metal lúrido para o meu eu técnico, pragmático e de sonhos reais. Eu vou, vou..., adentro-me, alço voo.

Da janela eu olho tudo o que oferece o panorama limitado, o meu mundo, ele sob a velocidade do tempo. O voo pleno por cima dos telhados, dos quintais, das nuvens, da infância abstrata, dos sonhos que ficaram para trás.

Aprumo o corpo e encosto a cabeça no vidro pra ver melhor aquele quintal. Aquele pontinho é uma criança, e me reconheço nos bracinhos erguidos. Consigo ver os olhos brilhosos e a boca muito aberta que grita

misturando a voz da aeromoça numa linguagem sistêmica com outra melodiosa de outrora: __ Avião, traz um outro eu pra mim!!

Luzineti Espinha
Enviado por Luzineti Espinha em 01/08/2017
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