MINHA VIAGEM COM LUIZ MELODIA

Nos anos 80 eu viajava frequentemente de Natal para o Rio de Janeiro a serviço. Num desses retornos para a capital potiguar, vim num Air bus da Varig. A aeronave era nova, muito confortável e possuía além das 5 poltronas na área central, duas à esquerda e duas à direita. Era uma sexta-feira à noite e como se tratava do último dia da semana, as pessoas já entravam no avião bastante agitadas. Era para a grande maioria dos passageiros, a volta para casa depois de alguns dias fora.

Eu já me encontrava sentado numa das duas poltronas do lado direito, quando vejo uma pessoa de trinta e poucos anos tentando achar seu assento. Ele chamou minha atenção pela sua roupa, pois estava com uma camisa e bermuda muito coloridas. Impossível não ser notado. A tripulação da aeronave fez algumas negociações, para acomodar outros passageiros, até que ele veio e sentou ao meu lado.

Pensei comigo, ou ele é jogador de futebol ou artista famoso. Não poderia ser um advogado, pois se o fosse, estaria de paletó e gravata. Ele sentou, mas ainda estava muito agitado. Como vou descobrir o nome do meu companheiro de viagem? Eu não era muito ligado em futebol para saber se ele do Sport do Recife ou do Flamengo do Piaui, muito menos se era artista da novela das sete. Não perdi tempo e saquei aquela pergunta extremamente incomoda: como é o seu nome? Pensei, vou ficar envergonhado por alguns instantes, porém mato minha curiosidade e fico bem sabendo o nome do famoso, que eu não tinha a menor ideia de quem era. Ele respondeu prontamente: Luiz Melodia. Não adiantou muito porque eu na época não conhecia nenhuma de suas músicas. Depois vim saber que Juventude transviada, que eu conhecia, era de sua autoria.

Começamos a conversar, o que é uma boa prática para encurtar a viagem. Ele falou que estava indo para Natal para realizar um show no dia seguinte, sábado. Falei a ele que eu era evangélico e ele disse que o seu pai também é. Ele é da Igreja Batista do morro do Estácio. Tomei então a liberdade de mostrar a ele o que eu havia escrito recentemente. O título do meu texto era “O que não haverá no céu”. Lembro hoje que citei no texto alguns programas de televisão, entre outras coisas. Para surpresa minha, ele mostrou o meu escrito para alguns integrantes da sua equipe que também estavam no vôo. Ele achou muito engraçado o que eu havia escrito. A partir dai passou a se referir a mim como Batista, como um sinônimo de evangélico. Esse batista é maluco, dizia ele. Num dado momento falei para ele: ainda vou te ver cantando no coral da Igreja Batista do Estácio.

Depois desse dia passei a acompanhá-lo na TV sempre que ele aparecia. Hoje à tarde, quando estava num posto de gasolina trocando o óleo do carro, ouvi a noticia da sua morte aos 66 anos, pelo rádio. Perguntei a dois jovens que estavam perto, se o conheciam. Disseram que não. Quanto eu cantarolei a música Juventude transviada, ambos disseram: a música eu conheço.

Fui para casa assobiando ...

“Lava roupa todo dia, que agonia

Na quebrada da soleira, que chovia

Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada

Uma mulher não deve vacilar

Eu entendo a juventude transviada

E o auxílio luxuoso de um pandeiro

Até sonhar de madrugada, uma moça sem mancada

Uma mulher não deve vacilar...”

Assim caiu a ficha. O Brasil perdeu sua “pérola negra”.

Carlos Alfredo, 4-8-17

Carlos Alfredo Melo
Enviado por Carlos Alfredo Melo em 10/08/2017
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