A RAPOSA E O BEIJA-FLOR

A raposa pôs na cabeça que iria devorar o beija-flor, pois concluiu que suas cores e agilidade eram insultos insuportáveis à sua esperteza monocromática e seu império de ossos velhos. Nunca outro animal da fauna despertou-lhe tamanho incômodo e desprazer, o passarinho de minúsculas afeições mimava as flores banais de frutos desvalorizados no seu mercado de morte com lambidas tímidas e indecentes, ia ele deslizando pelas correntes de vento feito um alguém pertencente ao maior sobrenatural, invejava-o pela leveza e descompromisso com o sangue e a tragédia, e por ela ter em suas patas raízes fixas no solo diário do martírio, longe da graça de alimentar-se sem sujeira. Observou, tramou planos, ataques, medidas de abate da ave, deduziu que de uma forma ou de outra encurralaria e feriria de fim o pássaro desatento. Por outro lado, o beija-flor, além de qualquer suspeita permanecia brincando entre a natureza a que pertencia indo de composição a composição na busca do melhor doce das almas desabrochadas sem perceber grandes olhos sedentos e famintos atrás dele, dos seus passos de voo. Na sua inocência, totalmente despercebido continuou seu trabalho de mansidão. A raposa de fininho, sorrateira como a serpente da tentação foi se aproximando usando o silêncio do bote a seu favor, quando o beija-flor estava na mira exata pulou sobre ele. A ave envolvida na sua missão de beijar as flores, simplesmente, mudou de boca perfumada, como estavam à beira de um desfiladeiro, a raposa passou direto, reto, caindo precipício abaixo, fato este, que o beija-flor jamais se deu conta. Fica a imprecisão de que a mão do destino, a sorte ou o Salvador zelam pelos desavisados e que a cobiça do mal é queda certeira além de qualquer esperteza.