GELEIRA

Fui me congelando das extremidades para dentro, estive esfriando todo este tempo, desprendido e sem âncora fiquei à deriva neste mar de gente indiferente e glacial indo cada vez mais rumo a um pólo de radicalismo. Meu perene castigo é não me afundar e achar abrigo a sete palmos de águas calmas, ser parte de um divertido recife de coral. Sou sem sol ou solo obrigado a ver tudo passar num cinza céu de vagas promessas líquidas, estão elas suspensas do suspenso eu. Sinto meu corpo solidificar aos poucos empedrar as juntas, talhar o sangue, resfriar orações, petrificar a linha de um possível sorriso. Pensamentos em ventania de inverno equóreo espalham o frio na tentativa de branquear negras soluções e um triste coração. Minha alma trivial, enfim, acha identidade em compacta massa de solidão soterrada sob camadas de gelo, resta uma pequena e quase invisível centelha de uma lembrança distante na esperança de degelo da densa geleira que me tornei.