ROSAS PASSADAS A FERRO

Perdi minha humanidade no rastro do papel, quanto mais de mim ele exigia mais de mim sugava, puxava, levava partes sagradas sem oferecer cura, semeando-me com anemia privativa, dando-me semelhante palidez abstrata. Neste romance unilateral, quase abusivo, somente eu servia vida, de longe fui vítima, porém torturei a mando, passei todas as rosas a ferro para tirar as rugas e fazer linhas perfumadas em sua carne virginal para caber ali milimétrica poesia de densos quilates, e neste ato, fui me exaurindo, secando pelos dedos as veias de sensível inspiração, enchendo o mundo de flores etéreas que não fossem ultrajantes rosas de uso subversivo, e estas outras, sim, pisadas e enrugadas com indecisão e verdadeira beleza mantida pelo defeito único das cores várias. O papel tirou de mim confissões antes impossíveis, segredos do sexo, levezas despercebidas, pensamentos quase filosóficos e sem importância alguma como devem ser, sentimentos rasos, profundos e a graça da neutralidade, permitiu-me num momento de última bondade este não sentir descompromissado da dor alheia, eu só tinha tempo para minha própria sangria e das rosas, fabriquei palavras muito mais para ferir que para curar, somente palavra por palavra machuca para sempre e eu fui um ferido nato, este me foi o maior exemplo concedido pelo papel. Por fim, estava eu seco, desidratado de lembranças, extirpado de sentires, de doce compaixão, de sincera contradição, ali, no limite do encerramento me vi papel vazio, ossos por linhas, de bocarra aberta, pronto para roubar a vida de outro pateta poeta e fingir uma vida que jamais seria capaz de conseguir por conta própria.