Uma farda não quer dizer nada!

A manhã era nebulosa. Um garoa fininha caia.

Precisava ir à capital para uma reunião importante.

Depois de pronta, peguei um guarda-chuva, abri a porta do carro no lado do carona e joguei o guarda-chuva no chão, atirei a bolsa sobre o banco, dei a volta, entrei no carro e... coloquei o pé na estrada.

Depois de quarenta minutos na estrada, tinha acabado de entrar no tenebroso tráfego da BR 101 a mais ou menos uns 2 Km de um posto da polícia federal.

Estava tão concentrada, mas tão concentrada em algum pensamento ensolarado, que levei um susto quando vi, na beira do asfalto, um policial federal levantando a mão.

Como estava em alta velocidade pisei firme no freio, estacionei o carro no acostamento um pouco adiante de onde ele estava e fiquei aguardando seu surgimento na janela, já com a bolsa na mão para apresentar os documentos.

Qual não foi minha surpresa quando o policial abriu a porta do carona e sem delongas sentou no banco ao lado do meu.

- Obrigado por me dar essa carona senhora! Falou ele.

Surpresa e assustada indaguei:

- Carona? O senhor estava pedindo carona? Eu achei que o senhor queria ver os meus documentos e do carro.

- Não, eu estava pedindo carona. Era esse o sinal que eu fazia. Se estivesse parando os veículos certamente não estaria sozinho e não ergueria a mão, mas apontaria para o chão do acostamento...

Eu estava apavorada. Como é que não tinha percebido a diferença? Isso que dá viver no mundo da lua, quer dizer... do sol.

- Ah! Nem percebi a diferença. Parei porque o senhor é um policial e estava com a mão erguida. Bom, eu não costumo dar carona para ninguém. Nunca. Mas já que o senhor está de farda de policial federal vou lhe conceder a carona.

E para me tirar por completo a paz, olhando bem em meus olhos, ele me disse:

- Isso não quer dizer nada!

Não sabia mais o que fazer. Será que pedia para ele sair do carro? Será que confiava?

Ele, percebendo o conflito que tinha se instalado em minha mente, completou:

- Não precisa se preocupar, meu nome é Donato Mascarenhas* e sou mesmo policial federal. A senhora pode confiar. Mas eu digo isso para a senhora ter mais cuidado no futuro e não pensar que só porque alguém veste uma farda é pessoa confiável.

Bom, nessa altura da conversa, já tinha arrancado o carro e mesmo sem decidir nada, tinha lhe dado a carona.

E eu nem sabia até onde ele ia.

Quando estávamos perto do posto da polícia federal fui parando o carro no acostamento pensando que ele iria ficar por ali.

Então ele perguntou:

- A senhora vai até onde?

- Até a ilha.

- A senhora me dá uma carona até antes da ponte? É para lá que estou indo.

- Ah! Eu achei que o senhor estava indo para o trabalho.

- Não, eu trabalhei a noite toda (ele não trabalhava neste posto policial, mas em outro, bem pertinho de minha cidade) e agora preciso ir urgente para lá ver uma casa que aluguei e deu problemas com o inquilino.

E assim o senhor Donato, policial federal, foi meu companheiro de viagem pelas próximas 1:30 hs.

Dali do posto policial até antes da ponte que liga a ilha ao continente, ele foi me contando sua vida, sua família, seu trabalho – casado, dois filhos, a mulher também era policial federal, mas trabalhava no expediente – .

E a cada quilômetro ele me assustava mais, relatando casos escabrosos de pessoas que foram enganadas por seqüestradores ou roubadas e até mesmo mortas por ladrões disfarçados de policiais.

Eu dirigia sem nem olhar para os lados.

Por um lado apavorada e por outro envergonhada do medo que sentia.

O senhor Donato era um cavalheiro e um homem muito respeitoso.

Estávamos chegando próximos à ponte que liga o continente à ilha e ele pediu para parar o carro.

E antes de fechar a porta para que eu seguisse meu caminho disse-me:

- Agradeço sua carona e porque vi que a senhora é uma pessoa do bem, gostaria de lhe dar um conselho: Quando a senhora viajar por aí sozinha, tranque a porta do lado direito e não dê mais carona para estranhos. É muito perigoso. Nem se estiver de farda. Uma farda não quer dizer nada!

Agradeci o conselho prometendo seguir ao pé da letra.

Ele fechou a porta já com o pino abaixado e eu arranquei o carro.

Só então percebi que no chão do banco ao lado meu guarda-chuva estava aberto.

Em que momento tinha se aberto?

Será que no momento em que o senhor Donato entrou no carro?

Decerto ele ao entrar pisou sobre o dispositivo que o abre.

Ah! Seu Donato... Será que ele tinha viajado o tempo todo espremido entre o banco e o meu guarda-chuva aberto e eu não vi tão impressionada estava com tudo o que ele me contava?

Não importava mais. Importava que mais uma vez aprendi aquela grande lição:

Não é o exterior da pessoa que diz como ela é por dentro.

Mesmo uma farda não quer dizer nada!

* Nome fictício

Maria
Enviado por Maria em 16/08/2007
Reeditado em 17/10/2011
Código do texto: T609693