UMA EMISSORA NO SÓTÃO




Diário de minhas andanças
(15/11/2011)


Dia chuvoso...Doces lembranças !
Postei um texto aqui no recanto com este título já faz algum tempo ,onde o foco do assunto era o sótão da casa em que cresci e as lembranças de uma certa doceira.
Uma vez mais, e induzido pela chuva ,retorno ao meu velho sótão,sobrevivente  na memória.
Tudo teve início durante uma daquelas "faxinas" que acontecem em dias de chuva.Acabei encontrando entre os guardados um antigo rádio de pilhas,da marca "Motorádio", cor preta, envolvido em fita crepe .
Tais ataduras serviram-lhe de curativos aos muitos tombos que levara em seus "áureos tempos".
Fazia-me companhia,sempre às escondidas ,até porque naquele estado de miséria em que se encontrava, deixaria-me encabulado caso alguém o visualizasse.
Mesmo fraturado, sempre funcionou muito bem.
Foi companheiro dos longos dias em meu pequeno estabelecimento comercial e a clientela que por ali adentrava, deliciava –se com aquele som que parecia vir do além, já que não se visualizava o aparelho gerador.
(Camuflado que ficava, sob almofadas, jornais ou revistas)
Inesperado reencontro com este meu velho camarada.
Parceiro e amigo dum tempo em que meus dedos "bolinavam" os famosos teclados de máquinas "Ruff" enquanto Bee Gees,Simon & Garfunkel,Evinha,e tantos outros,vazavam vozes e arranjos maravilhosos naquele seu auto falante.
Pareceu-me faminto.
Alimentei-o com 4 pilhas grandes e... Não é que o distinto ainda funcionou?
Emocionado, fui procurando as ondas curtas de 49 metros da Rádio Guaíba de Porto Alegre. "A música da Guaíba" - musical da tarde - existirá ainda? Fui atinando.
A grande maioria dos sulistas têm estreita relação com esta emissora desde um tempo em que era este, o meio de comunicação mais moderno.
Comigo não foi diferente. Cresci ouvindo rádio.
Agora a faxina,o reencontro ...arremessando-me ao empoeirado sótão de minha infância, num tempo em que não dispunha-se de energia elétrica.
Era à luz do lampião que ,cheio de interferências e descargas ,sintonizava-se o rádio (à bateria) e, "o mundo entrava para dentro de nossas casas".
Atento e curioso,ficava  a acompanhar noticiários que meu pai ouvia sem que  eu tivesse a menor idéia de quem seriam os personagens do mundo da política (leia-se Brizola & cia) que  o  velho tanto  apreciava .
Tudo de que sabia eram das discussões entre tio Elias e meu pai, cada um defendendo , com ânimos acirrados, os porquês de suas preferências.
Teimavam,exaltavam-se e depois, como bons irmãos que eram,selavam acordos de paz na cuia de chimarrão.
(Vamos "trovejar" um amargo que isso faz bem para o espírito - dizia meu tio. E...Trovejavam um  mate  amargo noite à  dentro)
A imagem que eu criara de uma estação de rádio diferenciava-se em muito daquela que um dia conheci.Em companhia de um amigo de meu pai ,adentramos à uma emissora local.(Era ele, um cantor em programas de auditório).Apesar  de  não  ser  o  estúdio  que  eu  criara  na  imaginação,mesmo  assim  fiquei  fascinado com o que vi Retornando pra casa , em frente à janela do sótão, criei a minha "emissora de rádio".
Recortes em pedaços de papelão , rabiscos com nomes de cantores da época, e estava iniciada a discoteca:
"Adilson Ramos,Emilinha Borba,Noite Ilustrada...entre outros",desenhados em caretas nada condizentes, e estava ali a suposta pilha de discos de vinil imitando o que observara no estúdio que visitei.
Uma concha de alumínio transformara-se em microfone e um punhado de jornais velhos forneciam as notícias que  fariam meus  "noticiosos".
Porém a minha rádio precisava ,obrigatoriamente , sair aos moldes da "Guaíba",que eu tanto apreciava e mantinha armazenada  em  meu  imaginário.
Adorava os comentários de meu pai sobre  a previsão do tempo após os noticiários que ouvia
Se a Guaíba informasse chuva no Rio Grande do Sul,ele costumava dizer:
- dois dias à mais e,chove por aqui também.
E não falhava !
Agora com o meu “fraturado” companheiro ,esforçando-se à demonstrar desempenho,mãos invisíveis apertam-me a garganta .Um travo de saudade ao ouvir o timbre empostado na voz do locutor com o padrão Guaíba,(que não muda nunca) , arrastando-me defronte à concha de alumínio do tempo.
Ecoa-me na memória aquela voz de piá, desafinada ,esgoelanado-se:
"Vai para o ar o Repórter Renner com as últimas notícias"!(um tra-lá-lá,imitando o prefixo do noticioso)
E atenção !...Londres !...Urgente...
Na casa em frente, debruçado na janela, tio Elias com toda elegância que a natureza lhe concedera, me observava. Balançava a cabeça, esboçando um sorriso discreto.
Eu , todo feliz,achava-me o máximo !
Hoje tento imaginar o que lhe passaria em pensamentos:
_"Coitado do meu sobrinho!... Deve ser maluco.Fala sozinho o  piazito...
Joel  Gomes Teixeira


18/11/2011 05:18 - Chico Chicão
Joel,você me mata do coracão e de saudades.Lá na minha cidade de Aparecida/SP ouvia a Guaíba,toda tarde'`A noite,na praca sem ninguém,ouvíamos a rádio Jornal do Brasil/RJ do locutor de voz mais que impostada.E que músicas!Trabalhei na Rádio Aparecida e tinha também um Motoradio.Estas lembrancas não se esvanecem,nem se apagam,*mesmo que joguem água com cloro e sabão*,não se apagam.Beleza de *recuerdos*.Escreva mais.Fique na paz!


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16/11/2011 17:36 - YARA FRANÇA
Acho que toda criança teve um desses sonhos/projetos que ficaram lá atrás mas q são deliciosos na lembrança.



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16/11/2011 09:05 -
Amigo Joel.Caramba, que saudades do tempo do radinho de pilhas, da Radio Nacional, da rádio Tupy, da Maiyrink Veiga.Onde deitado no meu quarto de adolescente ficava escutando o programa "Hoje é dia de Rock". O teu texto conseguiu me transportar para dias muito felizes, como foram os teus. parabéns meu caro poeta! Abraços sinceros do Ciro



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15/11/2011 23:19 - Maria Olimpia Alves de Melo
Nunca tive um sótão p/ criar macaquinhos, mas tive vários porões em minha vida e ainda falarei sobre eles.




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15/11/2011 20:18 - Carlinhos Colé
Frustrado por não ser o primeiro a comentar... Também o que vou dizer sobre um texto seu que já não tenha dito antes? Brincadeira! É entrar nessas minúcias que só um coração sensível como o seu pode detectar.


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15/11/2011 19:39 - Silvanio Alves
Belíssima saudade, poeta!! Bons tempos, aqueles!! aplausos!!