CASA CINZA

Não tire minha tristeza. Não exija que eu seja mais um destes tantos holográficos felizes incorruptíveis de sorrisos plásticos escancarados, conceda-me a sinceridade de ser o que sou. Minha melancolia é inspirativa, é dedo na ferida, é dor figurada, é mais feliz que tantas alegrias forçadas. Deixe-me deitar sobre a palidez que cala no silêncio de somenos da noite pousada nas ideais insurretas, deixe-me chover, ser a destinada tempestade da madrugada, permita-me contar as lágrimas, fiá-las num rosário de penitência poética. Não anseio ser par ou ímpar, outro adorno, quero ser uno, uma criatura de singularidade invisível, porém perceptível, exatamente como o vento, e só a tristeza pode me conceder a bênção desta contrariedade. Secarei pleno neste meu esvair de devir, não se preocupe se caminho entre os mortos, se sussurro ao além, se sou noturno e choroso, se minhas páginas são lápides, se meu prazer é enterro. Prometo que não incomodo. Sou inaudível, pois meu chiar é baixo, é menos que o riscar da caneta sobre o papel áspero, só posso ser lido. Não tema, não há carência ou agouro, prefiro que fique longe, a sete palmos horizontais com possível dó e compaixão ou oferta de felicidade. Nunca se atreva a querer quebrar minhas correntes ou a espantar meus fantasmas que com esmero foram cultivados. Sou triste e não miserável. Sei que um dia hei de sucumbir à melancolia e o farei grato, e neste momento final, a escolha de toda uma vida ditará o resultado, não sei se acharei condenação ou céu, mas certamente, ambos terão tons de cinza sem dor, pois ante minha presença em carne ou alma tudo desbota, faço desta forma de qualquer espaço, casa.