Essa carta poderia ser pra você

Há dias em que não sei como me sentir.

Estou a beira dos vinte, mas ainda estou nos dezenove... O peso dos dez mais nove cai em cima dos finalmente vinte, e os vinte me trazem todo o peso do medo que insisto em esconder do meu coração. Ainda são dez mais nove, e preciso aprender a deixar os vinte cair sobre mim... Com ele caem uma filha, um novo estado e um ano e dois meses de relacionamento. E um coração machucado. Um coração tão tenso e, ao mesmo tempo, esperançoso... Porém tenso. Tensão faz parte de toda tentativa de viver outro dia e também no minuto em que tento me convencer de que estou sendo forte por, dessa vez, conseguir pegar um ônibus. Forte por conseguir cumprimentar com um esboço de sorriso, o cobrador. Enquanto parece que só em me olhar ele me cobra tudo, menos a passagem. Mas estou sendo forte, afinal, minha real vontade era de passar mais um dia dentro do quarto. Há meses atrás, jamais passaria uma tarde toda fora dele. Escuto a respiração pesada do teu sono, essa carta poderia ser pra você. Me machuco toda vez que consegue dormir sem mim, quando estou me esforçando pra não te implorar pra me fazer companhia... Me dói toda vez que minha maior vontade é te implorar pra me fazer companhia enquanto sei que sua atitude jamais seria parecida. Mas estou sendo forte. Há meses atrás, esperava cada segundo do meu dia, que tu pudesse me salvar... Me salvar da minha agonia de assistir o dia passar enquanto eu desejava não ter que presenciar. Não te culpo por ser mais um que não enxerga o quão profunda é minha saudade de mim. Não te culpo por não se interessar, de verdade, pelas palavras que saem da minha boca e por isso você dorme tão fácil. São quase vinte e eu já me sinto pronta para os quarenta e nove, do segundo tempo. Não quero me permitir sentir isso, minha filha está finalmente chegando e quero ser feliz pra ela, mas só ela tem me feito feliz. Enquanto tudo parece me fazer cair. Essa poderia ser uma carta pra você, mas jamais te interessaria as palavras que eu jogo pra fora do meu peito. Poderia ser uma carta pra você, mas, meus escritos, jamais fariam parte das prioridades do teu dia. Não seria uma carta de amor, mas de apelo. Infelizmente. Você me faz sentir que preciso, se quiser tua atenção, apelar. Cada dia o faço menos. Cada dia tu me tem menos. E me pergunto "menos o que?", se tu diz desejar por toda a semana estar perto, mas hoje é teu dia de folga e estou passando a tarde sozinha enquanto você dorme sem mim. Porém há momentos que isso parece que nunca poderia acontecer, e nesses acredito tanto... tanto... que tudo que querias é me ter. Meter eu já desisti, mas pelo menos, me ter. Essa poderia ser uma carta pra você, se um dia te interessasse o fato de que minha maior alegria é quando consigo escrever, mas escorpiana como sou, preciso de inspiração. Escorpiana como sou, preciso de paixão. E ultimamente minha maior paixão é ter forças pra sair de casa e pegar um ônibus. Mas mesmo que tu não me enxergue, estou sendo forte. Mesmo que nada sobre mim te interesse, aguento minhas dores. Os vinte estão vindo, e estou pronta. Eu saí do quarto essa semana inteira.

Carmen Tina
Enviado por Carmen Tina em 02/09/2017
Código do texto: T6102488
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