QUEM MANDA NA LÍNGUA É O POVO

Luiz Fernando Veríssimo, um dos mais festejados cronistas brasileiros, numa frase modelar, dá a receita para se escrever com clareza: “Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer ´escrever claro´ não é certo mas é claro, certo?”. Em outra frase lapidar, Veríssimo assim define as regras de nossa língua: “A Gramática precisa apanhar todos os dias para saber quem é que manda”. E sobre os “imortais”, ele diz que a sombria gravidade de nossos acadêmicos é de “reprovação pelo Português ainda estar vivo”.

Se a língua fosse imutável e não sofresse transformações, ainda estaríamos falando o Latim. Justamente por causa das mudanças e adaptações ocorridas ao longo dos séculos é que as línguas nacionais foram se moldando e chegaram ao estágio atual. Por outro lado, o Latim não pode ser considerado uma língua morta: a língua dos romanos não morreu, mas se transformou em outras línguas, ditas românicas, como o Português, o Italiano, o Espanhol, o Francês, o Romeno, entre outras.

Quem manda na língua é o povo, e não os gramáticos, que servem apenas para sistematizar e ordenar a língua, adequando-a à chamada “norma culta”. Existem escritores que cultuam um português castiço, parnasiano, empolado. Muitos de nossos escritores, hoje imortais, fizeram uso dessa linguagem rebuscada, mas foram geniais a ponto de transcenderem o pó-de-arroz e legarem à posteridade uma prosa vigorosa.

Poderia citar Euclides da Cunha, Monteiro Lobato, Paulo Setúbal. O primeiro procurou entender o nosso povo à luz das ciências de seu tempo; acertou em algumas teses, errou em outras. O segundo foi um crítico mordaz não apenas do governo, mas também da sociedade de seu tempo, através de seus personagens literários e, principalmente, de seu trabalho como jornalista. O terceiro foi buscar na História do Brasil a matéria-prima para os seus romances que, mesmo escritos num português castiço, todo cheio de rebuscamentos e superlativos, não deixam de encantar o leitor.

Ao longo dos tempos, a Língua Portuguesa vem sofrendo mudanças, principalmente no modo de falar, e também do ponto de vista gramatical. Diversas reformas gramaticais foram feitas, sendo a última de 1971. Existe, hoje, a pretensão de se unificar a nossa língua, englobando todos os países de expressão lusófona. Parece-me que tal pretensão é um tanto esdrúxula, pois, mesmo falando a mesma língua, cada país tem as suas particularidades, que não podem ser niveladas como se todos nós falássemos do mesmo jeito. Se até a língua inglesa, que é a língua da globalização, não é unificada, por que então a portuguesa deveria sê-lo?

Salutar é, sim, a pretensão de muitos juristas e advogados de simplificarem ou, pelo menos, tornarem inteligível a Língua Portuguesa por eles utilizada – o “juridiquês”. Por que um advogado escreve: “V. Ex.ª, data maxima venia, não adentrou às entranhas meritórias doutrinárias e jurisprudenciais acopladas na inicial, que caracterizam, hialinamente, o dano sofrido”, se poderia se exprimir assim: “V. Ex.ª não observou devidamente a doutrina e a jurisprudência citadas na inicial, que caracterizam, claramente, o dano sofrido” (?!)

Mesmo que cada profissão tenha a sua linguagem própria, técnica, os profissionais podem se exprimir de uma maneira menos iniciática, hermética, utilizando-se de termos específicos somente quando estritamente necessários. Assim, seriam melhor entendidos, e muita confusão seria evitada. Conforme diz Giampietro Netto, advogado, em depoimento à revista Língua Portuguesa (nº 2, out/nov/2005): “Muitas vezes, após uma audiência, as pessoas cercam o advogado com olhar de interrogação, perguntando se ganharam ou perderam a causa”...