PAMONHADA

Papai tinha diante de si três jacás abarrotados de milho trazidos na véspera pelo "seu" Rafael... Encomenda feita por papai diretamente ao "cumpade" Orcalino:

_ Cumpade, quero mio de cabicera, porque o sinhô sabe que pamonha boa só de ispiga grande e no ponto!

Vó Vitorina, mão boa que só, veio lá do Castelo Branco para temperar, principalmente as pamonhas de sal com linguiça. Gostava de ver vó Vitorina, mão esquerda nas cadeiras e a direita mexendo com vigor a colher de pau, a despeito da finura de seus braços já bem enrugados.

Do lado de fora da cozinha, os tamboretes dispostos em círculo (que é para todo mundo ver todos, dizia mamãe que não aceita falar sem os interlocutores se olharem nos olhos), davam a ideia de que o dia seria divertido, apesar da trabalheira.

Papai despejou o primeiro jacá de milho e as espigas deslizando umas sobre as outras causavam-me um prazer único. Com o facão, papai "rosetava" os pés das espigas com golpes precisos e as depositava nos pés de mamãe, que separava os pares de palhas boas. Depois de separadas, as espigas eram colocadas em baldes para que a meninada apanhasse os cabelos de milho encrustados entre as fileiras de grãos; para isso, se valiam de garfos e facas de mesa.

Essa era a hora mágica! (Agora eu entendo o que chamam de conversa de roda) Como era gostoso ouvir os mais velhos contarem histórias entre palhas e jacás! Essa era uma das poucas vezes que crianças se misturavam às "prosas de gente grande".

Pronto! Milho catado, ralado e passado na peneira. As palhas enroladas aos pares amoleciam dentro da lata com água amornada pelo borralho feito de uma lata de quarta cheia de serragem buscada na marcenaria do "seu" Amâncio.

Vovô Policarpo estava perrengue e não pudera vir ajudar, mas as quatro maiores pamonhas de doce estavam no ponto de serem embrulhadas no pano de prato para levarmos mais tarde.

Hora de colocar as pamonhas numa peneira para escorrer o excesso de água. A meninada, agora correndo pelo quintal, espera o chamado para comerem. Como era gostoso degustar de algo que todos participaram na feitura; esse era o melhor tempero!

O cheiro recendia por todo o bairro, invadindo narizes vizinhos.

_Dessa vez, rendeu muito, puis o mio era dos mió! - Dizia Vó Vitorina, entre pedaços de pamonha dentro da sua boca otagenária.

Durante a semana, os vizinhos esperavam a visita de meus pais, que lhes levavam o quinhão merecido. Afinal, vizinho também era gente da gente.

Pena que, hoje, vizinho gente da gente e pamonhada caseira são coisas perdidas no passado.

Paulo Pazz

Paulo Pazz
Enviado por Paulo Pazz em 11/09/2017
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