Da falta de amor ???

A senhorinha de vestido com florezinhas amarelas olhou para o relógio mais uma vez...

- Consulta atrasada 40 minutos...

- Quinze minutos a minha, disse eu.

Ela sorriu um sorriso triste... resignado.

- São meio chatos esses atrasos - falei eu - mas, logo, logo, chamam a senhora - tentei animá-la.

- É... fazer o quê? Temos de esperar pacientemente...

E aí ela começou a falar... e só parou quando o médico a chamou...

- Tenho uma dor pesada no coração...

- A senhora está com problemas em seu coração? O que é?

- É tristeza...

Hum... acho que aí comecei a entender seus olhos desbotados e vazios...

- Meu filho... é meu filho... tem três famílias... sabia?

E agora vou resumir o que ela me contou:

Primeira família: a dela (a mãe)... de poucas posses, criou-o praticamente sozinha... trabalhou duro pra dar a ele uma vida digna... e ele agora é formado, tem um trabalho ótimo... até viaja pro exterior (senti o orgulho de mãe)...

- Lutei tanto, dei comida, um porto seguro... mas pouco consegui abraçá-lo... dar carinho... eu estava sempre tão cansada.

Segunda família: a do pai... nunca quis saber muito dele... até aparecia com um presente em algumas datas comemorativas... levou-o passear alguns domingos... a família toda não tinha tempo. Não deu comida, não deu carinho.

Terceira família: a da esposa. Abraçou-o, adotou-o... amou-o... ele entrou nela aos 23 anos e está lá há 15 anos... e fica lá... como se só essa existisse... ele até lembra que ela (a mãe) existe... alguns telefonemas, vez ou outra, presentes em dias das mães, aniversários (dela) e Natal...

Uma lágrima escorreu pelo rosto... uma desculpa... e eu calada.

Dona Claudete!

Ela sorriu seu sorriso triste, acariciou meu braço e se dirigiu à sala do médico.

E aí!?

O que o ser humano precisa mesmo é de amor?

Sim, não nego isso... mas quando, por alguma razão, esse amor não vem... simplesmente se vai embora?

Essa mãe tinha um amor imenso pelo filho - tinha não... tem - só não teve tempo pra demonstrar... tinha de garantir sua sobrevivência (a dela e a do menino)... e estava sempre tão cansada...

Hoje ela só precisava ser abraçada... mas acho que o filho não aprendeu isso.